sexta-feira, 15 de maio de 2020

LEITURA 30, dia 4 - De amor e sordidez


Não vou lembrar quem disse, mas a frase, ou ao menos o sentido dela, está na ponta do cérebro e à beira da língua. É sobre o disco Kind of Blues, de Miles Davis. Alguém disse sobre o álbum que é o tipo da coisa que todo mundo devia ouvir antes de começar seu dia. Por tão belo, sublime, transcendente.

Pois desde hoje de manhã eu aconselho o mesmo quanto ao conto "Para Esmé - com amor e sordidez". Não faça a besteira de começar seu dia sem lê-lo. Garanto que seu dia será muito melhor, seu espírito vai flutuar entre as comezinhas ações do cotidiano, você vai recobrir seu cérebro com uma camada de uma qualquer-coisa que o torna imune ao coronavírus, ao tédio, às empulhações deste desgoverno, às atribulações de um dia comum.

Lido este conto, que faz parte do "Nove Histórias" de J. D. Salinger que estou relendo dentro do projeto de ler 5 livros em 30 dias, a que chamei de Leitura 30, você estará acima de tudo e de todos, no melhor sentido desta condição. Imunize-se já. Deixe cair sobre sua alma essa bênção. Vá ao céu sem pagar por pacote de viagem.

Não dá pra dizer mais nada, pra resenhar, pra sintetizar. Só posso dizer que é mais um dos contos do  livro, em que um adulto fora de padrão trava contato com uma criança ainda não totalmente contaminada pelos esquadros da boa civilização no que ela tem de menos bom.

Não há nenhum integrante da família Glass no conto. Ao menos não me pareceu, mas eu já disse que este é um livro em que não se pode garantir nada, e a realidade de trauma de guerra que atinge a família é um tema comum no livro todo. Mas a forma como esse encontro se dá, pessoalmente e por carta, vem revestida de uma sinceridade tão pura que faz cada um de nós, leitor, sentir-se sujo por seja lá o que tenhamos cometido ou  não. As conversas que o conto conjuga produzem uma espécie de sublimação sem paralelos - seria essa a palavra?, sublimação?, é preciso e ao mesmo tempo meio inútil buscar palavras para dar uma ideia aproximada do que é essa curta história.

Com este conto, J. D. se superou. Vocês me desculpem mas acho que aqui há material superior ao tão consagrado "O apanhador no campo de centeio". Li pouco hoje, só umas páginas além da meta de 46 por dia,  basicamente este conto. Mas ele é tão vasto que a quantidade matemática realmente mostra sua evidente limitação.

Sei que muitas vezes vai ser difícil  manter a meta, não exatamente por cansaço ou outras tarefas pedindo minha atenção. Refiro-me aqui ao poder de sugestão dos grandes textos que, mesmo em reduzidas páginas, pode lhe saciar a fome estética e emocional de tal maneira que você prefere parar por ali.

É esse um dos muitos efeitos de "Esmé - com amor e sordidez".

Tem que ler, tem que ler.

2 comentários:

  1. Eu deveria aproveitar estes tempos para ler mais. Gostei dessa meta de cinco livros em um mês. Mas também gosto de ler devagar.

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