segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O último cajueiro de Alex Nascimento


Começar o ano lendo um Alex Nascimento, justamente chamado "Um beijo e tchau". Isso é bom; isso é ruim? Isso é o que é - e tchau, com ou sem beijo. Isso é religar as conexões entre décadas perdidas (expressão fora de moda) e o adeus a um ano ruim (que de tão mal falado já tá sendo injustiçado). Natal Citi, anos 80, direto sem corte e sem respirar para o imediato pós-2015, o ano-carrasco. Por aí se vê que o cara tinha material de sobra sobre o qual trabalhar (como assim, e não escreveu ou publicou mais nada de lá pra cá? Claro que sim, mas com um título anti-epitáfio desses e tamanha confusão contida nos últimos dois-três anos, não perde quem faz por esperar pra abrir o ainda recém-lançado).

"Um beijo e tchau" não é uma despedida, mas uma atualização. Esse poeta-narrador quase epistolar é velho conhecido, de extração lírico-niilista, provedor garantido e vasto de extensa folha de aforismos, nova safra de ditos e desditos deste Karl Kraus implantado entre dunas e cajueiros. Salpicada entre páginas e versos, as frutinhas maduras da afiada filosofia do escritor estão todas lá. É colher antes que caiam (ou se joguem) do cajueiro e lhe sujem os pés de lama, meu senhor ou minha senhora: "da mesma forma que o excesso de lucidez leva à loucura, de outra forma, a mania de saúde é uma doença"; "voltando ao jardim; nossa turma foi dividida em dois grupos: os do crack e os do whatsapp"; "não há contraceptivo que evite tanto filho da puta no mundo" - e chega de exemplos, que esses sempre minimizam o poder do livro inteiro. (e perdão pelas adaptações, que o meio aqui é outro).

É a mesma persona que a gente conhece desde "Quarta-Feira de um País de Cinzas", este título atemporal. Sob o olhar blasé, mas sempre moleque de Alex, o cenário é o mesmo areal, a conversa é a mesma bosta, mas, ah, a tecnologia incansável espalhou novidades por todos os cantos. Alex incorpora todas e lhes dá aquela serventia literária, traduz-lhe as ênclises, próclises e mesóclises como o usuário do Face nem imagina ser possível. A doce distopia perene de Alex se renova frequentando a nova Natal do alto consumo e baixo deleite - e até eu, que tô noutra, fugindo do amargo como quem pressente uma crise de hérnia de disco se aproximando, caio nessa farra e mato a saudade dos verdes anos de leitor iniciante - aquele que precede o atual Leitor Bagunçado. Resumindo, "Um beijo e tchau" é uma farra pros neurônios que ainda restam, desde que lido com o coração que ainda bate.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

O último cajueiro de Alex Nascimento

Começar o ano lendo um Alex Nascimento, justamente chamado "Um beijo e tchau". Isso é bom; isso é ruim? Isso é o que é - e tcha...