terça-feira, 19 de maio de 2020

LEITURA 30, dia 8 - O Brasil acabou



Os assuntos dialogam, as informações se cruzam, interseções se fazem. Independente de qualquer planejamento. Eu havia lido um dia antes no exemplar da Folha de S. Paulo de sábado passado uma matéria sobre o livro secreto - agora nem tanto - que militares escreveram e produziram para se contrabalançar ao histórico Brasil, nunca mais, que em forma de um pungente relatório levantou vítimas, métodos e circunstâncias da tortura praticada nos centro de política política durante a ditadura mais recente que o Brasil viveu.

A reportagem vai além e mostra como este livro - que de apostilha com uns dez exemplares circulando em mãos restritas acabou sendo publicado de fato por uma editora de livros - é parte da transferência para o Brasil das práticas da extrema direita radical norte-americana estabelecida naquele país desde os anos de torpeza e paranoia anticomunista da guerra fria. Pois hoje, ao continuar a leitura de Zen e arte da manutenção de motocicletas, o clássico filosófico contracultural e contemporâneo de Robert M. Pirsig, encontrei um trecho que dialoga, conversa, produz uma baita interseção com a matéria da Folha e, enfim, com tudo o que temos vivido neste Brasil convulsionado e cruel dos dias atuais.

"O estado de Montana nessa época fora assaltado por uma praga de políticos direitistas radicais como aquela que atingiu Dallas, Texas, imediatamente antes do assassinato do presidente Kennedy", narra o parágrafo do capítulo 13 da segunda parte do livro. "Um professor da Universidade de Montana, em Missoula, conhecido pelo país inteiro, foi proibido de falar no campus sob a alegação de que isso poderia causar tumultos. Os professores foram avisados de que todo pronunciamento público deveria ser censurado pelo departamento de relações públicas da faculdade antes de ser feito."

A narrativa segue citando um governador que tenta demitir o diretor de uma faculdade e o corte de contribuições para a mesma instituição, numa recuperação de um cenário que muito lembra os sonhos do nosso Abraão brazuca, ministro em vigor no MEC envergonhado.

Este trecho do livro me lembrou de imediato de outros motociclistas sem destino que rodavam pelas estradas da contracultura norte-americana: os anti-heróis de Easy Rider que tanto quanto exerciam sua tentativa de encontrar um outro caminho para estar num mundo que julgavam falido em vários sentidos, eram hostilizados ao cruzar a porção oeste daquele país gigante. Não há como não traçar paralelos entre o filme de Dennis Hopper e o livro que se tornou uma referência e que só agora estou lendo dentro do projeto Leitura 30, em que me proponho a ler 5 livros ao longo de 30 dias, com 46 páginas ao dia.

O paralelo que eu não esperava - é comum hoje a gente abrir um livro para também  mudar de ares e esquecer um pouco, só um pouco, da loucura parapolítica que tomou conta do Brasil  -  era aquele outro elo, entre um trecho do Zen e a arte... e os extremistas semiletrados da triste Brasília oficial que temos hoje.

O Brasil acabou, como diz uma colega de trabalho.

O projeto continua, digo eu aqui, me referindo à minha tentativa de manter a sanidade em meio a essa pandemia de agressão e insensibilidade política. Política?

Até amanhã.

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