terça-feira, 3 de maio de 2011

Estou / não estou (2)



Enquanto não estou desatualizando o blogue, estou vendo um novo clássico do cinema gráfico-violento-existencialista-japa na tela da minha nova Phillips quarenta e duas toneladas de cultura visual jorrando pelos pixels que me inundam a sala. Estou/ não estou assistindo a “Oldboy”, o filme que tanto quanto me espanta pelo prazer visual de acariciar a violência também me aperta os botões da sensibilidade para dizer que há sangue novo fluindo de veias que pareciam apenas estáticas na prateleira da estante. E há o lado gráfico, com uma câmera-caneta que esquadrinha as cenas de um jeito japa muito a gosto de um nordestino cabeça chata com eu. Lucrecia Martel é outro papo, e estou/não estou admitindo que, culto à parte ou culto absorvido, é uma mulher de filmes difíceis. A dona corta o clímax dramático da situação em tela e mostra só os antecedentes. Tô falando/ não tô falando de “A Menina Santa”, esse que vi ontem de tarde, um filme bem ajustado ao vento gelado que por essa época começa a bater aqui no Sudoeste planaltinense, como se um monstro polar estivesse soprando lá na Antártica seu último silvo de sobrevivência. Antes, teve – e juro que não é coincidência o aspecto climática do título e do filme – uma reexibição de “Tempestade de Gelo”, a glacial explosão de carências congeladas que é este conto



filmado pelo não menos oriental Ang Lee. Entre as sessões, estou / não estou investindo meu tempo livre compulsório em audições não menos ferventes, como é o caso do terceiro CD da caixa “Crossroads 2”, que traz em quatro bolachinhas platinadas o conteúdo de shows feitos por Sir Eric Clapton nos anos 70. Neste disco 3, temos o bardo de guitarra dando sua interpretação de “Knockin’ on reaven’s dorr”, o hino mais que gravado de Bob Marley (os antinordestinos de todas as cores, credos e anticredos gostam de dizer que “até” Zé Ramalho já gravou isso aí; eu digo que a versão do paraibano também é da Paraíba de tão boa, está naquele acústico campeão de vendas que ele lançou uma dezena de anos atrás). Mas como é bom estar / não estar ouvindo Eric Clapton soando como um blues man do interior Americano, naquela cantoria que o país de Obama desprezou somente para que os rock men europeus apresentassem aquela beleza de música triste e pungente ao mundo. Emendo isso com uma série de outras pungências, umas mais turbinadas e turbinantes, outras nem tanto, mas todas coisas que dizem algo ao silêncio da casa enquanto os meninos estão cumprindo a jornada na escola. Estou descendo da estante, depois de anos de repouso, o “The Best of Blues Etílicos”, lembrança da transição Nova Parnamirim/Brasília. E como uma coisa puxa a outra, lembro daquele velho disco dele mesmo, Zé Ramalho da Paraíba, com coisas que ele resgatou dos tempos de músico de baile. Relançado em CD, é o disco “Por aquelas que foram bem amada.../ Para não dizer que não falei de rock...”, o tal que abre com a semibrega mas por isso mesmo



interessantíssima “Paisagem da flor desesperada” – um baião tcha-tcha-tcha, se é que isso é possível, e lhe digo, é. Um disco rejeitado pelos fãs – ah, os fãs – e que precisa ser redescoberto pelos admiradores. Tem cheiro de resíduo de blues reprocessado – o jeito como essa música, depois de viver anos esquecida no quintal da paisagem americana, foi descoberta pelos udigrudis europeus com um pé no grand monde, até virar uma espécie de iê-iê-iê no Brasil e aportar nos bailes de Brejo da Cruz, nação Paraíba, onde um certo Zé ainda ninguém toca qualquer coisa. Quer saber? Isso me leva aos The Beatles, mas não diretamente aos próprios. Estamos/ não estamos, eu e me dedo mindinho enfaixado até a goela, ouvindo agora o “Aqui, ali, em qualquer lugar” que foi o song-book pop-bossa que Rita Lee fez um par de anos atrás para o repertório mais notório dos fábifór. Música para deslizar, skate radiofônico para ouvintes que merecem uma pausa. Mas não estou/estou sim deixando de dizer, ou reafirmando a tempo, o disquinho que motivou toda essa aventura auditiva caseira como há décadas não havia – e nessas horas, honro graças ao meu mindinho enfaixado até o topo do mundo. Quem provocou tudo isso foi uma bela coletânea ocasional, certamente semidesconhecida, lançada em Natal erre-ene em ano recente mas não sabido, um daqueles discos que saem com um punhado de selinhos de patrocínio na contracapa, um disco-pires-na-mão, bom-bom-bom demais como não se espera nem sempre desse tipo de produto. Foi Valéria (Oliveira) quem me deu de presente, na hora eu não registrei bem, depois esqueci num canto como é comum comigo e com todo mundo, mas agora, do nada, peguei e botei pra tocar e... boooom! Fez-se o som! Chama-se “Cosern Musical” – pode haver título pior e mais enganoso? É o extrato sonoro de um festival de música promovido pela companhia de eletricidade do erre-ene, com um punhado de coisas boas-boas-muito boas. Começa com uma banda “Apolo 11” cujo vocalista, é notório, evoca Renato Russo muito mais do que seria desejável (mas ainda assim, bom-bom-bom), para deslanchar numa descoberta como aquelas que a gente nunca mais esquece a primeira vez que topou com ela: a banda Deadly Fate – um conjunto de reavy rock poti com um cantor cujo aparelho vocal e cuja maneira de usá-lo parecem ter caído do céu dos infernos, ou do inferno dos céus (são eles na primeira foto, lá no alto da abertura do post). Alguma coisa divina como não se encontra todo dia. E ainda tem, na sequência, mas sem superar aqueles Deadly, o Mad Dogs, com uma pegada mais pop-humorística. Você pensa que vai acabar e ouve o primor que é a voz de Valéria, cantando um negócio cujo compositor não poderia ser outro: só mesmo Pedro Mendes para falar musicalmente de Natal daquele jeito. A faixa é “Fera Nova” e tudo o que posso dizer, enquanto ouço embevecido como não se ouve mais coisa alguma (alguém ainda fica embevecido com



alguma coisa num mundo que num dia vê a princesa Kate casar com pompa e no outro a balada dos americanos pela morte de Bin Laden?), é: rapaz, assim eu compro uma passagem só de ida pra Neópolis/Guaíra e me enterro de vez no passado. “Cosern Musical”, se você também o tem e nunca se deu ao trabalho de ouvir, desça agora mesmo a caixinha de plástico da estante e bote o bicho pra trabaiá, véi. É pau de sebo de responsabilidade, um disco que leva a outros discos. Falando nisso, estou / não estou/ digo, estou muito interessado em encontrar discos individuais dos componentes da “Cosern Musical”. Então, meu ouvinte leitor confidente: se você por acaso tiver em casa um CD inteirinho do Deadly Fate e não liga muito pro bichinho, mande pra eu que o dito será muito bem utilizado cá em casa. Idem para o Mad Dog. Apolo 11 menos, mas ainda assim, bom. Agora deve estar na hora de retomar a maratona áudio-visual em homenagem ao meu mindinho do pé esquerdo. Quem sabe vou de BB King, naquele DVD tipo lojas americanas extraído da série The Jazz Channel? Quem sabe a coletânea de clips “Clapton Chronicles” que meu amigo Plácido me deu num aniversario já pós 4 ponto zero e que eu vejo regulamente de seis em seis meses com igual aproveitamento? Ou quem sabe desligo a sala eletrônica e volto à leitura de “Pornopopeia”, a antissaga fim de mundo tipo urbano-decadência de Reinaldo Moraes de que meu amigo Carlão de Souza iria adorar? O difícil é decidir. Vou consultar o dedinho pra saber onde ele quer passear sem sair do lugar neste resto de terça-feira, último dia de minha licença negociada para menos.

Leia / não leia a primeira parte dessa conversa clicando aqui.

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