segunda-feira, 9 de maio de 2011

Imaginação a mil por hora


Numa cena aparentemente insignificante de "72 Horas", o professor Russell Crowe comenta para seus alunos de literatura alguma coisa sobre o Dom Quixote de Cervantes. Ele provoca os estudantes a entender que a força do anti-heroi de Cervantes vem do uso que ele faz da imaginação pura - até quase ao ponto do delírio. "72 Horas", dirigido pelo comumente roteirista Paul Haggis, é puramente isso: uma demonstração do quanto a imaginação pode ser uma tábua de salvação num momento crítico da vida. Ah, sim, óbvio, o filme é uma tremenda aventura sem fôlego, uma fantasia de entretenimento sem censura e sem reservas. Não é um "filme sério", absolutamente.

Mas nem por isso é menor no seu pequeno comentário subliminar sobre a necessidade humana de fantasiar algo para suportar uma dor pungente. Todo mundo já sabe: Crowe é o professor que se dispoõe a tentar, homem comum sem experiência "na área", a tirar da cadeia sua esposa condenada por um crime que não comenteu - mas há controvérsias e a crença firme dele na inocência dela é outra demonstração daquela necessidade de confiar no cérebro ainda que essa segurança venha de algo totalmente subjetivo. Outra vez: a fantasia que confere moldura à realidade. Tá ficando metafísico demais e o filme é muito bombado de ação para o comentário fazer sentido, admito.

Em resumo: naquela exortação que o professor faz aos alunos - e não nas sequencias mais excitantes, como a do quase acidente na rodovia, pra citar só uma - está a lógica do filme: um sujeito normal que suspende os padrões comuns da realidade para cometer um ato extraordinário, movido por um combustível feito à base de fantasia e desespero ao mesmo tempo. A maior reserva crítica que o filme de Paul Haggis recebeu foi o dedo apontado para a inverossimilhança da história - justamente o que ela tem de mais elementar. Sem a inverossimilhança da fuga impossível não haveria filme. Essa inverdade é, na verdade, sua premissa. Como diria (nada a ver com o cinemão americano) Ariano Suassuna nas suas aulas-espetáculos falando sobre a resistência do ouvinte de uma narrativa sertanejo-fantástica: "você quer ou não quer ouvir a historia?"

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