sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Andar com Chico


Nenhum artista brasileiro andou mais nos últimos anos do que Francisco Buarque de Holanda, coitado. Quem assistiu a um ou mais programas daquela série lançada em DVD sobre a vida e obra do cantor e compositor sabe do que estou falando. Diante dos programas, a gente se diverte com as histórias de bastidor, surpreende-se com as revelações sobre o que gerou esta ou aquela música, cantarola saudoso aquela valsinha que nunca mais havia escutado etc etc. Mas, enquanto se desfruta de tudo isso, não há como não se impressionar com a quantidade de cenas em que o velho Chico, coitado, anda. Mas anda. Pra lá, pra cá, sobe escadaria, percorre velhas fortalezas, atravessa multidões e multidinhas, passa voando na frente dos cartões postais de Paris, Lisboa, Rio e quantas cidades mais a produção dos programas tenha colocado na frente do homem.

Só tem uma coisa que Chico faz mais na série, além de andar. E não é cantar, não - que esta parte aí, muito menos trabalhosa para ele, aparece toda em imagens de arquivo de velhos programas da TV Bandeirantes. O que Chico mais faz, além de andar, é falar mesmo. O homem desembucha, relembra histórias, gagueja e se atropela tentando se livrar do tanto que tem pra narrar. A gente assiste àquilo tudo e fica pensando: - Coitado, primeiro anda que nem um aventureiro perdido no deserto em busca de um oásis que nunca chega; depois, ainda tem que falar, falar, falar. Ainda bem que o material de arquivo da Band é bem vasto e tapa bem os buracos, porque, não fosse assim, os caras da produção dessa série de DVDs teriam matado Chico Buarque de exaustão.

E se você reparar que o andar de Chico Buarque não lembra em nada a beleza dos tais olhos verdes com que ele lidibria 99 por cento das mulheres brasileira, aí é que a coisa fica pior. Chico Buarque pode ter lá os olhos dele nos seus, minha amiga leitora eventual, mas aquele andar... O melhor que ele lembra é a forma como se movimentam os mamulengos do teatro de bonecos nordestino. Chico Buarque andando parece um boneco de pau daqueles que ficam pulando enquanto a gente encarca as laderais do brinquedinho antigo. Mesmo assim, não importa: tome caminhada, filmada de todos os ângulos possíveis.

Claro que tudo o que está escrito nos parágrafos acima é apenas uma forma de dar informalidade a um monstro sagrado. Um jeito de fazer você assistir aos DVDs sem a reverência que os medalhões - seja da música, da literatura, do cinema, da política, da academia - sempre terminam inspirando, à revelia deles, inclusive. A série é ótima, todo mundo sabe, e, para além de ser um documento prontinho para eternizar a obra de Chico (que como todos nós um dia vai morrer) ainda faz isso na forma de um belo entretenimento, inclusive servindo de aperitivo para viagens a vários lugares do mundo, no que deveria ser adotado por todas as boas agências de viagens do país. Quer conhecer o mundo mas não tem grana pra isso? Faça como eu, vá andar por aí com Chico Buarque e suas histórias. Mas depois não reclame de dor nas pernas.

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