quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Meu primeiro filme


Não é todo dia que se fecha um ciclo. Parece que foi isso o que me ocorreu ontem à noite, na boca da madrugada. Ligo a tevê em busca de um sonífero de última hora e o que me aparece: o Canal Brasil está começando a exibir aquele que foi o primeiro filme a que assisti na vida numa sala de cinema. Ele mesmo, "Paixão de um homem", clássico vagabundo de ninguém menos que Waldick Soriano (saiba mais lendo esta postagem do Sopão, escrita há poucos dias, algo premonitoriamente), o mesmo que inaugurou o saudoso Cine Rex da velha Parelhas, interior do Rio Grande do Norte, onde botei o rosto fora do mundo e cresci aprendendo suas manhas.

É quase uma revelação esta sensação esquisita de rever, aos 44 anos de idade - diria 44 do segundo tempo - o mesmíssimo filme que inaugurou minha vida de dependente desse negócio chamado cinema. É realmente como fechar alguma espécie de ciclo, como se depois da reprise de ontem eu não precisasse realmente assistir a mais nenhum outro0 filme na vida. Mas quem resiste? Descubro, ainda em meio à perplexidade da reprise (repare, vi o filme em duas sessões na inauguração do cinema de minha aldeia, com uns oito ou dez anos de idade, não mais que isso, e nunca mais o revi até a noite de ontem) que "Paixão de um homem" até que era bem produzidinho.

O que me ficara na lembrança era a imagem ocre de um "faroeste brasileiro", com o herói Waldick, seus óculos escuros estilo para-brisa, seu chapéu negro e seu cavalo vivendo aventuras no barro vermelho da terra brasilis. Impressão ratificada ontem, mas ao mesmo tempo em que percebia que meu inocente filme inaugural pode ter sido bem mais que isso. Explico: há um certo esmero visual evidente na produção, uma dramaturgia mínima por debaixo do filme-louvação (inclusive com uma personagem feminina tão maquiavélica que deu até para lembrar Lady MacBeth), e um caminho narrativo que busca - ou por outra, que permite - uma interpretação do Brasil daquele momento. "Paixão de um homem", notei, agora que estou adulto e tenho o discernimento da idade, é um filme de seu tempo no que isso representa de bom e de mau.

Assim: Waldick é escorraçado da fazenda da família, em Caitité, no interior baiano (onde estive um dia em viagem a Natal, mas isso é outra história) e faz o caminho clássico do migrante daquela época. O deslocamento do personagem serve bem ao propósito de mostrar o "Brasil Grande" dos militares, com a visão de estradas modernas, com o orgulho de uma São Paulo que exibia soberba o trânsito intenso nas suas avenida entre arranha-céus, com a visão platinada do Rio de Janeiro imune às favelas e à violência em gestação. Anos dourados para o povão, onde se encontrava a criança que eu fui, extasiado diante da primeira imagem gigante e em cores de garimpos, cavalgadas, grandes cidades e aquele oceano que compõe a Baía de Guanaraba. Hoje, revisto no Canal Brasil, é, como tantos outros filmes do catálogo deste canal, uma crônica involuntária de um Brasil pretérito, muito bem fotografado em seus cartões postais, seu povo ingênuo, suas ruas tranquilas, enquanto por trás da vitrine o ovo de certa serpente seguia sendo chocado.

Melhor esquecer essas conexões e ficar só com a magia do momento que foi rever o meu primeiro filme.

Um comentário:

  1. Quando era vivo, Waldick devia suspirar de saudades desses tempos de star da telona. Deve ser uma pérola daquelas que a gente lamenta só encontrar nas madrugadas. Fiquei com vontade de escrever sobre o meu primeiro filme também! Beijo!
    PS: Tem que trocar na descrição do perfil: a idade antiga e a ausência de seguidores, que agora lá estou eu batendo meu ponto!

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