Segismundo Siqueira, poeta involuntário, é um velho caquético e amigo que cospe versos à guisa de imprecações e gracejos. Se você o encontrar na curva do caminho, esteja pronto, que dele pode vir tanto um soneto com rimas pobres sobre a palavra amor quanto uma maldição ciganesca organizada sobre monossílabo bem menos nobre. É o seu cartão de apresentação - digo, dele. Porque depois de feitas as honras, é que se conhece a inteireza da alma deste sexagenário que já nasceu em rugas e fraudões de doente terminal.
Vive refugiado na serra do Bico do Papagaio, em acarienses terras provinciais do Seridó, nosso herói reabilitado pela franqueza dos tais versos. De lá, frequentemente me envia pacotes de cartas e papéis coalhados de previsões, idéias persecutórias e versos de apocalípticas feições gráficas. Até agora, tenho guardado tais manifestos, inseguro sobre o caráter preparatório de nos outros para recebê-los no lar de nossas mentes confusas. Daqui por diante, chutarei o pau das barracas do consenso, e darei de publicá-los: a responsabilidade leitora é toda sua; portanto, esteja em dia com as possibilidades dos vastos pensamentos.
Enquanto lá, no Bico, Segismundo intitula-se exilado, embora a palavra não se empregue bem no contexto. É que não se concebe exílio na terra em que se nasceu e cresceu, a não ser que tal condição advenha menos da vivência do que da consciência - e este deve ser o caso de Segismundo, por sinal contraparente de Odicélio Gineceu. Fato é que o poeta caquético muitas vezes rima sem querer mesmo ao reclamar de um copo que lhe cai das mãos. E vive, quando quase feliz, na ilusão de que é um Neruda em ilha italiana, enquanto lá embaixo, nos paralelepípedos do Caicó ou nas cercanias dos Currais, a realidade não faz jus à sua presença. No máximo, às suas letras, que ele envia para seleto grupo do qual este escrevinhador faz parte, sem saber bem exatamente por quê.
De sua vida também pouco se sabe, além de que foi soldado contra a intentona nos casarões de 35, antes de ter entendimento para decifrar a natureza de tal conflito. Ou de que já ensinou taboadas até o ponto em que lhe partiu a paciência a pressa dos infantes alunos. Ou ainda de que, jovem, decepcionou-se com tudo assim de repente numa manhã de abril, quanto a beleza do céu contrariava as desgraças do mundo. Recolheu-se - e gostou. Oráculo atormentado às vezes, outras monge das secas que doem mas apascentam, de lá nos olha, triste mas compreensivo, conforme a distribuição das nuvens no céu. Seus poemas são sua graça, e ler de suas palavras é contemplar o mistério das chuvas invisíveis aos olhos de quem está preso ao chão.
conexões entre amigos, livros, filmes, discos, memórias, férias, viagens, natal e brasília
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