quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O calor da frieza em "Control"


Em certo momento de "Control", o filme que narra as agonias metafísicas de Ian Curtis, vocalista da banda Joy Division, um técnico de estúdio de gravação pede que baixem o nível do aquecedor no aquário onde o cantor está gravando. Durante o filme inteiro, é como se o diretor Anton Corbijn fizesse o mesmo com as imagens, o clima, a narrativa, o andamento, o desfecho dessa história sóbria e sombria. Não que o tom de distanciamento implique em frieza emotiva: é, antes, uma geleira audio-visual que confere estranho calor ao protagonista em rota de colisão com ele mesmo e o mundo que o cerca.

O resultado é, na superfície, uma fotografia tão límpida quanto bela, algo pop mas sem aquele vazio involuntário que tantas vezes este tipo de universo visual trai. Essa bruma branca que colore de tédio e desesperança as cenas do filme faz o espectador entrar com sapatos sujos na mente ao mesmo tempo plácida e tempestuosa do seu personagem principal. Praticamente não há música conduzindo a história - e ela só vem mesmo quando a banda se põe a tocar. Um filme que parece ter sido feito dentro de uma garraga vazia e entre placas de algodão, numa anestesia de torpor de efeito inverso, que é o de externar em imagens e (ausência de) sons o desfiladeiro interno de Ian Curtis.

Não sou fã da banda, não conheço sua trajetória, o meu universo sonoro frequentemente é outro - a quente, sudorenta e saturada música brasileira me pega cada vez mais - mas posso dizer, por isso mesmo, que o filme se sustenta sem as referências externas. Se não é exatamente um prazer participar do mergulho paulatino de um garoto de 20 e poucos anos na bacia metálica do suicídio, não deixa de ser um exercício de apreciação acompanhar o fluir desse vôo submerso pela matemática do cinema, num filme que aspira qualquer excesso da tela para que o espectador possa respirar um ar próximo ao que leva um ser humano de tão pouca idade a cometer ato de tal radicalidade.

O título, essa referência à falta ou excesso de controle, é mais do que uma pista. É questão de idade saber ou não lidar com ele, dentro ou fora do mundo rock, da esfera pop ou do show business.

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