quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

De volta ao Cinema Paradiso


Uma noite dessas revi, pleno de satisfação e nostalgia, um daqueles filmes que entram na vida da gente embrulhado em papel de presente para se tornar um clássico reluzente. Ou você não sentiu o mesmo quando viu "Cinema Paradiso", a enluarada crônica melodramática de Giuseppe Tornatore? Ou por acaso, só pelo fato de ter lido aqui o nome deste filme, você não lembrou, automática e instantaneamente, o cinema onde o assistiu pela primeira vez, assim como a emoção que sentiu quando, encerrada a projeção, saiu às ruas, quem sabe num início de noite com as luzes da cidade se acendendo enquanto o trânsito se avolumava?

"Cinema Paradiso" é um fim ímpar, porque estabelece, desde a primeira vez em que você o vê, um espírito de nostalgia. É um filme naturalmente evocativo - trata da evocação, precisa da reminiscência, estimula esse sentimento, usando a matéria prima do cinema em estado bruto para realizar seus objetivos. Por isso, é tão curioso revê-lo vinte anos depois - você mal notou, mas já faz vinte anos que este filme entrou em cartaz nos cinemas brasileiros. Se, na época da estréia, ele lhe remetia para o encantamento da sétima arte de antigamente, seja o cinema poeira do bairro periférico ou o cinema da cidade do interior que quase todos têm preservado dentro de si, revisto hoje, "Cinema Paradiso" acaba sendo uma curiosa reelaboração sobre ele mesmo - o momento em que você o assistiu anos atrás.

É nostalgia sobre nostalgia, em camadas delicadamente superpostas. Na estréia de ontem, você viajou à infância - no meu caso, do parelhense Cine Rex onde vi de Teixeirinha aos Trapalhões, passando pelo Superman e o King Kong dos anos 70. Na reprise de hoje, por obra e graça do DVD, você retorna ao final dos anos 80, e a toda a moldura que havia em torno do instante em que você deixou a sala de exibição -no meu caso, do cine Rio Verde, avenida Deodoro, em Natal.

Mas, de uma maneira ou de outra, estréia ou releitura, sala cheia ou solidão noturna na sala de casa, o choro vem. Nâo há filme que mexa mais com nossos cansados prantos do que esse e sua narrativa da viagem deste senhor pelos tempos e lugares reais ou imaginários, concretos ou projetados na tela. A coisa mais bela, entre todas, é aquele momento em que o projecionista Alfredo desvia o foco de luz da projeção para um muro e ilumina a rua com o filme que tantos queriam assistir mas não havia lugares suficientes dentro do cinema. Depois, ele coloca uma caixa acústica para reproduzir o som. Alfredo olha de longe, o menino Totó escora o cotovelo na janela, ampara o rosto e assiste ao deleite da multidão. O cinema é aquilo, simples e grandioso. Um minuto depois e se dará a tragédia que move a história e a engrenagem da vida do garoto e seu tutor informal.

Sequencias como essa justificam plenamente uma frase que acabei de ler em "Grandes Filmes", o segundo volume de análises de Roger Ebert: "Chegamos a diferentes filmes por diferentes motivos e sua grandiosidade se apresenta sob muitas formas."

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