quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Policial de transição


"Cop Land" (James Mangold, 1997, disponível em DVD) é um daqueles filmes que, sendo pequenos e despretensiosos, grudam na sua memória com o poder sintético de uma novela literária, uma crônica certeira ou um capítulo de livro especialmente marcante. Não fez grande sucesso, mas tem lugar garantido na memória dos tempos do cinema em VHS que marcou as décadas de 80 e 90 pra muita gente. Como gênero, fica entre o policial e o drama - mais o segundo do que o primeiro. Como narrativa, é quase uma referência paralela ao Quentin Tarantino que renovava o gênero com Pulp Ficcion, mas aqui sem qualquer adereço de montagem; sustentado apenas na força dos conflitos que lhe servem de suporte. Como espetáculo, é nada. Como dramaturgia, é do tipo que convence no início, pede sua paciência no meio e lhe recompensa ao final. Um filme sem firulas para quem gosta de cinema sem rodeios. 

Pense num elenco que daria um daqueles filmes caros, de propaganda exagerada, bilheteria espetacular e tratamento idem. Pois "Cop Land", cujo título se refere a uma comunidade de policiais em New Jersey, EUA, é o oposto de tudo isso: um anticlímax total para quem cai na isca grandiloquente do cinema tipo arrasa-quarteirão. Tem Robert de Niro, Harvey Keitel, Ray Liotta e o velho Balboa, ele mesmo, Sylvester Stallone, aqui antecipando em décadas o Rock que faria ao retomar a série de filmes do lutador alguns poucos anos atrás. Acreditei no xerife de Stallone neste "Cop Land" com a mesma falta de desconfiança que lhe destinei quando, de calças curtas, sofri com ele no "Rock II - A Revanche", que mesmo fora de ordem foi a primeira vez em que o encontrei no cinema. Podem puxar a ficha habitual que o qualifica como o canastrão-mor da capitania cinematográfica norte-americana que eu não mudo de opinião. É de reverente dignidade a decadência que ele apresenta no drama policial agora em questão. 

E desta vez não é com a soberba do adversário de luvas  Apolo Creed que ele tem que se ver, mas com uma confrafia de policiais sutilmente corruptos que lhe serve de vizinhança e apoio psicológico (o homem é traumatizado por ter perdido a audição e por isso ser impedido de virar um tira "de verdade"). Não se preocupe que no desfecho não há a menor chance de Stallone se tornar um Rambo nas selvas urbanas que se projetam para além de Manhatan, mas dificilmente você deixará de notar no tiroteio final de "Cop Land" um signo reprocessado daquelas sequencias míticas dos westerns mais enraizados. 

Quer dizer: este filme que começa como um policial feito dentro da convenção e evolui para um drama de feridas psicológicas vai desembocar numa baita cena clássica que reproduz em ambiente suburbano o enfrantento típico do mais americanos dos gêneros, o faroeste de casas de madeira e ruas poeirentas. No que "Cop Land" remete imediatamente à dilaceração grupal que marca "Cães de Aluguel" (1992), cartão de apresentação do Tarantino em ebulição mais ou menos no mesmo tempo e lugar. De maneira que, ajustado nos desencontros da linha do tempo (não parece, mas" Cop Land" foi lançado três anos após a renovação de  "Pulp Fiction", de 1994), este filme é como um rito de passagem atrasado entre a violência dramática da turma de Martin Scorsese e a aventura cult e estilizada da geração Tarantino. 

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