terça-feira, 10 de março de 2015

Quanto pior melhor, na Argentina!



 

Ao abrir a lista dos livros que vai lendo neste 2015 (veja ao lado), o Leitor Bagunçado se deu conta de duas omissões na relação do ano passado. Faltou colocar lá os dois romances do argentino residente nos EUA - e falecido há poucos anos - Tomás Eloy Martínez, aquele que eu, você, sua namorada e aquele seu primo distante já conhecem de "Santa Evita", a sensacional saga vivida (ops) pelo cadáver de Evita Perón entre mil esconderijos na pátria do tango. Pois bem: ano passado, entre tantos outros livros que o Leitor Baguçado - este servidor público de carteirinha - descobriu na Biblioteca da Câmara dos Deputados, estão "O cantor de tango" e "Purgatório", mais duas aventuras literárias do mesmo Tomás Eloy. 

Há menos humor - humor negro, é disso que se fala, mas humor - do que na história do que fizeram com o presunto da ex-primeira dama portenha, mas ambos os livros estão, naturalmente, impregnados daquele ar do rio da Prata que envolve a cidade dos ditos ares benéficos. "O cantor de tango" reconstrói a trajetória de uma sumidade do gênero musical ao nível de Gardel mas objeto de culto devido à dificuldade de vê-lo e ouvi-lo cantar. E no rastrear dessa figura tão fascinante quanto miserável - a alma de um país? -, Tomás Eloy vai desenhando as dores de sua pátria, construindo à distância - tanto quanto seu narrador, um professor americano - um mapa das desgraças capaz de deixar constrangidos a nós, brasileiros, contumazes cultuadores desse mesmo exercício de autodesprezo. 

Em "Purgatório", temos o reaparecimento de um desaparecido político, em registro borrado de surrealismo, com o mesmo objetivo, alterado o foco do período: aqui assiste-se às ditaduras dos anos 70 em todo o seu desfile de empresários corruptos, militares de pedra e ideólogos universitários prontinhos a justificar cada unha arrancada de cada zumbi subversivo. É um balde de desgraças prontinho para a mão leve de Tomás Eloy agitar pra lá e pra cá usando a força da palavra, esse privilégio de quem a tem e sabe usar para louváveis propósitos. 




Nos dois livros - mais do que na crônica do cadáver de "Santa Evita", que soa até divertido diante das sombras desses outros títulos - impressiona como podemos estar enganados quando achamos que só nós, rabugentos brasileiros, temos essa mania de falar mal de nós mesmos diante de qualquer desculpa, oportunidade ou vacilo. Os argentinos, está provado, também são craques nisso: a velha e falsa rivalidade, então, está mais uma vez revalidada. Pena que seja na disputa do quanto pior, melhor. Mas os livros, apesar disso, são ótimos.

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