Uma
prestação de contas pelas previsões furadas; uma retrospectiva sem choro para
encerrar o assunto; e um registro sobre outra disputa muito mais nervosa
Não confiem
em mim, esqueçam maus palpites, olhem de lado quando cruzarem com meus prognósticos
na rua. Sou qual um adivinhão falido, mago desmascarado, feiticeiro a cozinhar
nas sopas maléficas do caldeirão onde boiam pedaços de minha própria
ineficácia. A Copa começou e um infeliz de um inseto me confidenciou ao pé do
ouvido: o pior é que depois de tanta polêmica, vasta campanha mesmo, os
estádios até ficarão prontos, mas O Brasil-sil-sil que é bão não passa nem da
primeira fase. Munido de tais premonições, pus as barbas em aquosa e relaxante
bacia de molho certo de que, quando tal fracasso viesse, pelo menos a mim
doeria menos, já que não alimentara o prato frio das expectativas quentes.
Quando, por
fim, o Brasil-sil-sil fez-se Brasil de papo reto, superando afinal a primeira
fase do campeonato, topei com um rato na rua – seriam os do Planalto, aqueles
que em tempos idos se mudaram para o Senado e viraram matéria de crônica sobre
nossos males não menos crônicos? – que, me vendo atravessar uma faixa de
pedestres, gritou um “alto lá” e me estendeu a mão aberta em palma como aquela
dos tempos da campanha de FHC Presidente:
- Pense em
Neymar, pessimista! Veja se não há entre ele e o Romário de 94 (ano da campanha
de FHC Presidente, intercalou o rato) um link, um halo, um elo – caetaneou o
pestilento mamífero.
Foi o
bastante para minha opinião dar uma guinada de 720 graus – duas voltas de 360,
caso a matemática da minha volúvel opinião tenha confundido o leitor. Passei a
olhar os jogos com outras pupilas: cada olhar marejado na hora do hino era
apenas o prenúncio da glória; cada tropeção em campo era apenas o obstáculo
pontual que a dramaturgia do futebol impõe à sua falta de lógica; cada bola na
trave a explosão de uma profecia, traduzindo em letras do acaso um texto que já
estava premonitoriamente escrito.
Nisso, veio
o 7X1 – e nunca, em tempo algum, antiguidade incluída, desde as trevas da idade
das cavernas, uma previsão se consumiu tão rapidamente. Nem as vítimas da
distante inquisição viraram cinzas de maneira tão peremptória; nem o rastag
mais usado viu-se sumariamente abandonado de forma tão interneticamente
precipitada; nem as mágoas pessoais mais incrustadas de todos os tempos viram
de forma tão relampejante sua própria dissolução em um momento de perdão
sagrado. Quebraram-se todas as minhas bolas de cristal, fosse o inseto portador
de cismas ou o rato transmissor de sinas.
Daí para a
frente, não havia nada mais a fazer senão queimar todos os búzios, incinerar os
pozinhos que deixam manchas na xícara de chá, não dar atenção nem à ferocidade
de uma bruxa chamada rede social nem a um mago ressentido que atende pelo nome
de portal de notícias na internet. Que ninguém me diga mais nada – e que eu,
humildemente, também não me meta a dizer nada a mais ninguém. Certifiquei-me,
realisticamente, da derrota no que, ademais, não passaria de um reles prêmio de
consolação – o terceiro lugar tão desprezado quanto a bola de ouro por Messi ao
final da última partida, derradeira derrota a abrir chagas em conflagrados
corações (não fomos os únicos, nem a exclusividade nos foi reservada).
Deixei a
Arena Triunfo de confortáveis memórias – a companhia dos amigos que ajudou a
suportar o pior placar, pegando o atalho da esculhambação que nos salva quando
não há mais nada a fazer – e voltei à minha analítica rede de Ponta Negra aberta
na sala de casa. Nada de torcida, nenhuma fé, vazio de esperanças. Voltei a ser
só um olho diante de um aparelho de tevê. Tirei o foco do coração e o
recoloquei no cérebro. O nervoso foi embora, a assistência se apascentou. Nunca
uma derrota, um quarto lugar assim-assim soou tão inofensivo – e não estou
falando das discussões que decorrem desse panorama todo, mas do momento mesmo,
sem ais de internet nem sais de mesas redondas. O jogo acabou, o Brasil sem sil
perdeu, uma só de minhas previsões enfim haveria de se confirmar, qual matéria
de vidente do tipo vestibular, aquele que por precaução trabalha com múltiplas escolhas.
A Copa das
Copas acabou, merece este título nem que seja pelas surpresas desagradáveis,
o ano vai começar, outra disputa muito mais sofrida está a se iniciar e,
precavido e escaldado, em relação a esta, já vou adiantando: sou péssimo
analista, furado previsor, desmoralizado profeta. Por isso, nem me peçam
previsões, prognósticos, antecipações. Tudo o que posso dizer é que há mais do
que a simbologia do futebol em jogo. E se essa já nos dá tanto trabalho, avalie
aquela. Uma bola saiu de campo e outra entrou, os dados foram lançados e os
votos estão a caminho. Melhor não chorar quando soar o hino. Se é para
manifestar emoções apressadas, melhor fazer como os alemães, que trocaram o choro
pelo canto alegre dos Pataxós. Lembrando que eles só o fizeram quando tudo
estava consumado.
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