Um tevê que soluça durante o jogo, um
fogareiro no lugar do micro-ondas e um controle remoto que muda de canal na
hora mais dramática de Brasil X Colômbia. Acompanhe com a gente o drama que foi
assistir à partida na casa de um casal amigo. E veja os caminhos tortuosos que
a sorte pode percorrer
Tinha tudo
pra dar errado: a manada da internet e da mídia em geral secando técnico e
jogadores, o efeito prolongado dos pênaltis da partida anterior, a expectativa
de marcação em cima da celebridade Neymar, a imobilidade a caminho de se tornar
clássica de Fred, certa zanga particular do país que não perde uma só
oportunidade de se declarar inferior a qualquer espirro primeiromundista e por
aí agora. Tudo o que a gente aqui em casa não precisava era de mais sinais de
derrota antes do jogo da Seleção Brasileira da última sexta-feira. Mas a gente
conseguiu piorar ainda mais a situação.
E da maneira mais amigável possível.
O amigo
Renato Ferraz convidou a gente, de última hora, pra assistir à partida no
bangalô dele e de Aninha, ali onde o Sudoeste é quase Setor Gráfico. Bora? Tamos
aí. A quinze minutos do início da partida, juntamos umas trouxas de retirante
com objetos de sobrevivência para quem tem criança e está em dieta médica e rumamos
à casa do casal amigo. Com o nervosismo da partida, seria mesmo uma ótima ideia
assistir ao jogo em grupo, assim sem prestar tanta atenção, pois que nestes
casos quanto menor é o estudo maior é a possibilidade de o resultado doer
menos. Um pouco de esculhambação sempre ajuda na hora mais dramática – isso nós,
brasileiros, não cansamos de ensinar ao mundo.
Mas uma vez
chegando à casa dos amigos, começou uma sucessão de maus agouros inesperados e
quase curiosos, de tão fora de padrão. Levamos uns pacotes de pipocas pra os
meninos terem com que se ocupar naqueles momentos em que tudo o que a gente não
quer ver é um pirralho passando na
frente da tevê em lance decisivo. Abri logo minha bolsa térmica alimentar de
ansioso quase cardíaco pra tirar as pipocas e a comadre Aninha me avisa,
constrangida, coitada, que está sem micro-ondas. Olhei pra Renato e fui logo
dando minha facada tipo paraibano – aquela que, depois de entrar fundo no bucho
do adversário, ainda torce fazendo força no cabo da peixeira:
-Que é isso, companheiro, retrocedeu aos tempos do
fogareiro?
Podia haver
sinal pior, no início daquela partida, do que o viajado compadre Renato, um
cidadão do mundo que a bela Triunfo, em
Pernambuco, cedeu chorando ao cosmopolitismo mundial? E não é que podia? A ausência
de micro-ondas em tão distinta e tecnológica casa – o anfitrião é editor de
informática do Correio Braziliense,
não esqueçam – foi apenas a primeira das mandingas involuntárias daquela
sexta-feira de fortes emoções. Pois mal começa a partida e notamos algo
estranhíssimo no aparelho de tevê. A televisão de Renato, moderna como ele, de
vez em quanto dava uns disparos e interrompia a transmissão, parava de
funcionar, áudio e vídeo, pra em instantes voltar. Jogo e tela preta, tela
preta e jogo. Um negócio de uns dois
segundos, tempo suficiente, sabe-se bem, para o telespectador perder um pênalti
favorável ao Brasil, pois não?
- Ô, Renato, o que é isso? Você convida a gente e quando chega aqui sua televisão tá com soluço?
Renato
apertou botão, retirou e recolocou aquele cartão da Net que, de fato, é capaz
de tirar o juízo de qualquer outro assinante, e nada. Achou pouco e ainda
tentou convencer a gente com uma solução tipo gambiarra: ligou a outra tevê,
que fica no quarto dele, com o som bem alto e disse que pelo menos a genta “ouviria”
o que estava acontecendo enquanto a tevê principal estivesse curtindo seu
soluço que, por sinal, ficava cada vez mais frequente. Rejane matou a charada:
- Renato,
quem diria: assim a gente volta aos anos 50. Vamos “ouvir “ a Copa, como se tivéssemos
acompanhando pelo rádio!
Você
consegue em pensar em sinal pior do esse? Isso era aviso de derrota certa.
Felizmente o problema da tevê foi resolvido com um reles, básico, elementar e
rasteiro reset desses que a gente dá, na base do não resta mais nada a fazer
quando o infeliz do computador trava na hora mais imprópria. Ainda havia,
porém, uma última surpresa nesta noite que, não por acaso, acabaria com Neymar
fora da Copa, num evento tão cruel que nem cabe na tentativa de lustrar com
humor o sofrimento que também foi o jogo da sexta-feira passada.
Tevê
funcionando, pipoca garantida com base no forno comum, até um gol também meio
na base do soluço mas garantido, olho pra Renato, esse expert futebolístico que
humilha minha clássica ignorância sobre o esporte bretão, e o que vejo? O compadre,
em vez de exibir olhos grudados na partida e nos presentear com comentários de
quem sabe de cor a escalação dos últimos dez anos do Sport de Recife – ou seria
o Santa? –, estava ocupado em...limpar o controle remoto da Net. Limpar não diz
bem o que ele fazia enquanto a gente sofria sem tirar os olhos da televisão.
Ele praticamente esterelizava o controle, usando um paninho e o próprio sopro
pra investigar poerinhas em junções, cantinhos e minúsculas fissuras do aparelho.
E o jogo que se danasse, é possível?!
Já ouvi
falar de muitas manias de torcedores, mas essa, francamente, não esperava. Devo
dizer que havia ainda uma consequência adicional que muito nos importunou:
nesse trabalho meio autista de limpar o controle remoto da Net enquanto a bola
rolava – pra quem viu o jogo anterior da Seleção aboletado no Mané Garrincha,
esse comportamento de Renato era de inspirar Regina, a psicóloga da Seleção,
concorda? – ele aqui e ali acabava apertando involuntariamente o botão seletor
de canais. E saber o que acontecia? Na hora do drible mais esperado, do chute
mais assustador, do contra-ataque menos óbvio, a tevê – aquela mesma que pouco
antes ainda soluçava como que chorando profeticamente por Neymar – mudava de
canal. Sim, mudava de canal. De maneira que, bola nos pés de David Luís, a
gente tomava um susto com o corte brusco pra novela mexicana do SBT...
-Porra,
Renato, isso é lá hora de limpar controle remoto?
O resumo do
sofrimento é que, para além do trauma coletivo em que nos vimos mergulhados com
Neymar, deu certo. E a gente já tratou de avisar que para a próxima terça
estaremos todos lá, com nossos cacarecos, saquinhos de pipoca (os mesmos que
levamos sexta e que sabemos que não servirão de nada), meu lanche de
pré-infartado em recuperação e tudo o mais. Porque todas aquelas mandingas que
nos ameaçaram tanto e que narrei aqui na verdade foram como talismãs ao
contrário. O que era um tremendo sinal de má sorte acabou, joelhada em Neymar à
parte, garantindo nossa vitória. Então, Renato e Aninha, fiquem espertos: nada
de consertar o micro-ondas (nem comprar um novo, que pode ser o passaporte certo
pra a derrota) e se for preciso chamem um técnico da Net meia hora antes da
partida para garantir que a tevê volte a apresentar o mesmo defeito de
sexta-feira passada. Pelo menos nos dez minutos iniciais do jogo. Se a
televisão não pifar, vai ser um péssimo sinal. Quanto à limpeza de controle
remoto, não se preocupe: já estou juntando todos os que tenho pelos quatro
cantos daqui de casa para lhe dar trabalho até sair ao menos aquele primeiro
gol que, se não garante a vitória, ao menos ameniza o sofrimento inicial. Até
terça!
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