conexões entre amigos, livros, filmes, discos, memórias, férias, viagens, natal e brasília
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
Postais cariocas
Da varanda de Titina e Cezar ao palacete-apart de Copacabana; do Jardim Botânico à orla em brumas, cartões postais da família bagunçada em dias de folga na cidade do Rio de Janeiro.
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Out there, dia seguinte
Espetacular como Legião Urbana (V), Papódromo, Natal, RN, algum ponto do final dos anos 80.
Radiofonicamente pop que nem Caetano Veloso (José), estádio Juvenal Lamartine, Natal, RN, 1988
Bem humorado como Rita Lee (Bossa and Roll), Papódromo, Natal, RN, algum ponto dos anos 80.
Vibrante que nem Paralamas do Sucesso (Big Bang), estádio Juvenal Lamartine, Natal, anos 80.
Redondo como Roberto Carlos, Ginásio Nilson Nelson, Brasília, 2010.
Acusticamente prejudicado que nem Gilberto Gil, ginásio Nilson Nelson, Brasília, anos 90.
Sofisticado qual Marisa Monte, Centro de Convenções de Natal, RN, 1988
Aguardado que nem Cláudia Barroso, ginásio Ovídio Dantas, Parelhas, RN, anos 70.
Plangente como Adriana Calcanhoto, Teatro Alberto Maranhão, Natal, RN, anos 80.
Acachapante que nem Lenine, Pátio do Varadouro, Olinda, algum ponto dos anos 90.
segunda-feira, 17 de novembro de 2014
Boa segunda-feira!
O filme acima vai pra quem tem certa dificuldade de começar o dia. Ou, bem pior, de começar a semana - quando se trata de uma tremenda segunda-feira. Robert Benchley foi cronista, frasista, humorista, ator e cineasta desses filmetes que faziam parte da programação dos cinemas americanos em priscas eras. Foi também uma espécie de avô do Woody Allen que conhecemos. Ou, como conta o brasileiro Ruy Castro em "O leitor apaixonado" (um livro sobre livros e escritores, e se você encontrar um exemplar por aí por me compre e me repasse que lhe pago depois, já que o bicho é mais raro que filme mudo com diálogos), pois bem, segundo Ruy Castro, na verdade W. Allen pegou emprestado uma porção de ideias desse seu antecessor e nunca mais devolveu. Um delas é esse desajustamento para as coisas práticas da vida, que você já viu antes em filme como Hanna e Suas Irmãs e tantos outros estrelado pelo ex de Mia Farrow. Divirta-se e suporte melhor sua segunda-feira. A minha também não tem sido essas coisas (mas vai melhorar, porque as férias estão pra chegar).
quinta-feira, 2 de outubro de 2014
A visita de F-0
Lembra quando disseram que tudo poderia acontecer neste ano de Copa no Brasil e campanha presidencial e você não levou muito a sério? Pois aí está, para confirmar a previsão, o minitornado que atingiu Brasília no meio da tarde dessa quarta-feira, 1º de outubro. Depois da queda do avião que matou Eduardo Campos, foi mais um choque registrado no, como se diria antigamente, fatídico ano. Dois episódios que, cada qual à sua maneira, trouxeram perplexidade a quem estava aqui embaixo.
O tornado de Brasília foi imprevisível como será o resultado das urnas de domingo próximo; confuso como o empastelamento das pesquisas logo após a substituição do morto Campos pela viva Marina; desconcertante como o rearranjo que todos os candidatos tiveram que promover após a tragédia de Santos. Enfim, o primeiro tornado de Brasília, que varreu a região mais próxima ao aeroporto da capital com ventos de até 95 Km por hora, foi mais um evento típico deste 2014 de tantas expectativas e tamanha série de acontecimentos marcantes - alguns previstos, outros trazidos pelos ventos do destino, incluindo-se o 7X1 da Copa no estádio e o sucesso do evento fora de campo, outra imprevisibilidade calculada que a realidade tratou de desmontar como um vendaval destrói um telhado frágil.
O fato é que F-0 passou - essa é classificação do tornado segundo os especialistas do Instituto de Meteorologia - e, embora tenha assustado bastante (eu mesmo achei esquisitas as cortinas de poeira que vi suas primeiras rajadas levantarem na Asa Sul, quando seguia para o trabalho) foi embora como aquele tipo de coisa que faz muito barulho e não muito efeito. Sim, destelhou parte do aeroporto reformado, derrubou a temperatura bruscamente e causou alagamentos com a chuva rápida que trouxe na sequencia. Mas isso não é de todo incomum no final da seca brasiliense. Não por acaso, a classificação F-0 equivale a um tipo de tornado sem maiores consequências.
Repare bem, mantenha-se no paralelismo meteorologia-imprevistos-eleição e veja que é justo isso o que pode acontecer com uma certa candidata que entrou como um furacão na campanha eleitoral para logo depois se recolher como uma ventania de verão. Mas isso só o tornado das urnas de domingo próximo poderá confirmar - e é preciso também resistir à tentação fenomenal da metáfora. Confirmando-se, aí sim, o primeiro tornado de Brasília terá um nome perfeito, à altura do reboliço causado e do efeito não realizado: furacão Marina.
segunda-feira, 14 de julho de 2014
Legado do vexame
Uma
prestação de contas pelas previsões furadas; uma retrospectiva sem choro para
encerrar o assunto; e um registro sobre outra disputa muito mais nervosa
Não confiem
em mim, esqueçam maus palpites, olhem de lado quando cruzarem com meus prognósticos
na rua. Sou qual um adivinhão falido, mago desmascarado, feiticeiro a cozinhar
nas sopas maléficas do caldeirão onde boiam pedaços de minha própria
ineficácia. A Copa começou e um infeliz de um inseto me confidenciou ao pé do
ouvido: o pior é que depois de tanta polêmica, vasta campanha mesmo, os
estádios até ficarão prontos, mas O Brasil-sil-sil que é bão não passa nem da
primeira fase. Munido de tais premonições, pus as barbas em aquosa e relaxante
bacia de molho certo de que, quando tal fracasso viesse, pelo menos a mim
doeria menos, já que não alimentara o prato frio das expectativas quentes.
Quando, por
fim, o Brasil-sil-sil fez-se Brasil de papo reto, superando afinal a primeira
fase do campeonato, topei com um rato na rua – seriam os do Planalto, aqueles
que em tempos idos se mudaram para o Senado e viraram matéria de crônica sobre
nossos males não menos crônicos? – que, me vendo atravessar uma faixa de
pedestres, gritou um “alto lá” e me estendeu a mão aberta em palma como aquela
dos tempos da campanha de FHC Presidente:
- Pense em
Neymar, pessimista! Veja se não há entre ele e o Romário de 94 (ano da campanha
de FHC Presidente, intercalou o rato) um link, um halo, um elo – caetaneou o
pestilento mamífero.
Foi o
bastante para minha opinião dar uma guinada de 720 graus – duas voltas de 360,
caso a matemática da minha volúvel opinião tenha confundido o leitor. Passei a
olhar os jogos com outras pupilas: cada olhar marejado na hora do hino era
apenas o prenúncio da glória; cada tropeção em campo era apenas o obstáculo
pontual que a dramaturgia do futebol impõe à sua falta de lógica; cada bola na
trave a explosão de uma profecia, traduzindo em letras do acaso um texto que já
estava premonitoriamente escrito.
Nisso, veio
o 7X1 – e nunca, em tempo algum, antiguidade incluída, desde as trevas da idade
das cavernas, uma previsão se consumiu tão rapidamente. Nem as vítimas da
distante inquisição viraram cinzas de maneira tão peremptória; nem o rastag
mais usado viu-se sumariamente abandonado de forma tão interneticamente
precipitada; nem as mágoas pessoais mais incrustadas de todos os tempos viram
de forma tão relampejante sua própria dissolução em um momento de perdão
sagrado. Quebraram-se todas as minhas bolas de cristal, fosse o inseto portador
de cismas ou o rato transmissor de sinas.
Daí para a
frente, não havia nada mais a fazer senão queimar todos os búzios, incinerar os
pozinhos que deixam manchas na xícara de chá, não dar atenção nem à ferocidade
de uma bruxa chamada rede social nem a um mago ressentido que atende pelo nome
de portal de notícias na internet. Que ninguém me diga mais nada – e que eu,
humildemente, também não me meta a dizer nada a mais ninguém. Certifiquei-me,
realisticamente, da derrota no que, ademais, não passaria de um reles prêmio de
consolação – o terceiro lugar tão desprezado quanto a bola de ouro por Messi ao
final da última partida, derradeira derrota a abrir chagas em conflagrados
corações (não fomos os únicos, nem a exclusividade nos foi reservada).
Deixei a
Arena Triunfo de confortáveis memórias – a companhia dos amigos que ajudou a
suportar o pior placar, pegando o atalho da esculhambação que nos salva quando
não há mais nada a fazer – e voltei à minha analítica rede de Ponta Negra aberta
na sala de casa. Nada de torcida, nenhuma fé, vazio de esperanças. Voltei a ser
só um olho diante de um aparelho de tevê. Tirei o foco do coração e o
recoloquei no cérebro. O nervoso foi embora, a assistência se apascentou. Nunca
uma derrota, um quarto lugar assim-assim soou tão inofensivo – e não estou
falando das discussões que decorrem desse panorama todo, mas do momento mesmo,
sem ais de internet nem sais de mesas redondas. O jogo acabou, o Brasil sem sil
perdeu, uma só de minhas previsões enfim haveria de se confirmar, qual matéria
de vidente do tipo vestibular, aquele que por precaução trabalha com múltiplas escolhas.
A Copa das
Copas acabou, merece este título nem que seja pelas surpresas desagradáveis,
o ano vai começar, outra disputa muito mais sofrida está a se iniciar e,
precavido e escaldado, em relação a esta, já vou adiantando: sou péssimo
analista, furado previsor, desmoralizado profeta. Por isso, nem me peçam
previsões, prognósticos, antecipações. Tudo o que posso dizer é que há mais do
que a simbologia do futebol em jogo. E se essa já nos dá tanto trabalho, avalie
aquela. Uma bola saiu de campo e outra entrou, os dados foram lançados e os
votos estão a caminho. Melhor não chorar quando soar o hino. Se é para
manifestar emoções apressadas, melhor fazer como os alemães, que trocaram o choro
pelo canto alegre dos Pataxós. Lembrando que eles só o fizeram quando tudo
estava consumado.
domingo, 6 de julho de 2014
Sufoco na Arena Triunfo
Um tevê que soluça durante o jogo, um
fogareiro no lugar do micro-ondas e um controle remoto que muda de canal na
hora mais dramática de Brasil X Colômbia. Acompanhe com a gente o drama que foi
assistir à partida na casa de um casal amigo. E veja os caminhos tortuosos que
a sorte pode percorrer
Tinha tudo
pra dar errado: a manada da internet e da mídia em geral secando técnico e
jogadores, o efeito prolongado dos pênaltis da partida anterior, a expectativa
de marcação em cima da celebridade Neymar, a imobilidade a caminho de se tornar
clássica de Fred, certa zanga particular do país que não perde uma só
oportunidade de se declarar inferior a qualquer espirro primeiromundista e por
aí agora. Tudo o que a gente aqui em casa não precisava era de mais sinais de
derrota antes do jogo da Seleção Brasileira da última sexta-feira. Mas a gente
conseguiu piorar ainda mais a situação.
E da maneira mais amigável possível.
O amigo
Renato Ferraz convidou a gente, de última hora, pra assistir à partida no
bangalô dele e de Aninha, ali onde o Sudoeste é quase Setor Gráfico. Bora? Tamos
aí. A quinze minutos do início da partida, juntamos umas trouxas de retirante
com objetos de sobrevivência para quem tem criança e está em dieta médica e rumamos
à casa do casal amigo. Com o nervosismo da partida, seria mesmo uma ótima ideia
assistir ao jogo em grupo, assim sem prestar tanta atenção, pois que nestes
casos quanto menor é o estudo maior é a possibilidade de o resultado doer
menos. Um pouco de esculhambação sempre ajuda na hora mais dramática – isso nós,
brasileiros, não cansamos de ensinar ao mundo.
Mas uma vez
chegando à casa dos amigos, começou uma sucessão de maus agouros inesperados e
quase curiosos, de tão fora de padrão. Levamos uns pacotes de pipocas pra os
meninos terem com que se ocupar naqueles momentos em que tudo o que a gente não
quer ver é um pirralho passando na
frente da tevê em lance decisivo. Abri logo minha bolsa térmica alimentar de
ansioso quase cardíaco pra tirar as pipocas e a comadre Aninha me avisa,
constrangida, coitada, que está sem micro-ondas. Olhei pra Renato e fui logo
dando minha facada tipo paraibano – aquela que, depois de entrar fundo no bucho
do adversário, ainda torce fazendo força no cabo da peixeira:
-Que é isso, companheiro, retrocedeu aos tempos do
fogareiro?
Podia haver
sinal pior, no início daquela partida, do que o viajado compadre Renato, um
cidadão do mundo que a bela Triunfo, em
Pernambuco, cedeu chorando ao cosmopolitismo mundial? E não é que podia? A ausência
de micro-ondas em tão distinta e tecnológica casa – o anfitrião é editor de
informática do Correio Braziliense,
não esqueçam – foi apenas a primeira das mandingas involuntárias daquela
sexta-feira de fortes emoções. Pois mal começa a partida e notamos algo
estranhíssimo no aparelho de tevê. A televisão de Renato, moderna como ele, de
vez em quanto dava uns disparos e interrompia a transmissão, parava de
funcionar, áudio e vídeo, pra em instantes voltar. Jogo e tela preta, tela
preta e jogo. Um negócio de uns dois
segundos, tempo suficiente, sabe-se bem, para o telespectador perder um pênalti
favorável ao Brasil, pois não?
- Ô, Renato, o que é isso? Você convida a gente e quando chega aqui sua televisão tá com soluço?
Renato
apertou botão, retirou e recolocou aquele cartão da Net que, de fato, é capaz
de tirar o juízo de qualquer outro assinante, e nada. Achou pouco e ainda
tentou convencer a gente com uma solução tipo gambiarra: ligou a outra tevê,
que fica no quarto dele, com o som bem alto e disse que pelo menos a genta “ouviria”
o que estava acontecendo enquanto a tevê principal estivesse curtindo seu
soluço que, por sinal, ficava cada vez mais frequente. Rejane matou a charada:
- Renato,
quem diria: assim a gente volta aos anos 50. Vamos “ouvir “ a Copa, como se tivéssemos
acompanhando pelo rádio!
Você
consegue em pensar em sinal pior do esse? Isso era aviso de derrota certa.
Felizmente o problema da tevê foi resolvido com um reles, básico, elementar e
rasteiro reset desses que a gente dá, na base do não resta mais nada a fazer
quando o infeliz do computador trava na hora mais imprópria. Ainda havia,
porém, uma última surpresa nesta noite que, não por acaso, acabaria com Neymar
fora da Copa, num evento tão cruel que nem cabe na tentativa de lustrar com
humor o sofrimento que também foi o jogo da sexta-feira passada.
Tevê
funcionando, pipoca garantida com base no forno comum, até um gol também meio
na base do soluço mas garantido, olho pra Renato, esse expert futebolístico que
humilha minha clássica ignorância sobre o esporte bretão, e o que vejo? O compadre,
em vez de exibir olhos grudados na partida e nos presentear com comentários de
quem sabe de cor a escalação dos últimos dez anos do Sport de Recife – ou seria
o Santa? –, estava ocupado em...limpar o controle remoto da Net. Limpar não diz
bem o que ele fazia enquanto a gente sofria sem tirar os olhos da televisão.
Ele praticamente esterelizava o controle, usando um paninho e o próprio sopro
pra investigar poerinhas em junções, cantinhos e minúsculas fissuras do aparelho.
E o jogo que se danasse, é possível?!
Já ouvi
falar de muitas manias de torcedores, mas essa, francamente, não esperava. Devo
dizer que havia ainda uma consequência adicional que muito nos importunou:
nesse trabalho meio autista de limpar o controle remoto da Net enquanto a bola
rolava – pra quem viu o jogo anterior da Seleção aboletado no Mané Garrincha,
esse comportamento de Renato era de inspirar Regina, a psicóloga da Seleção,
concorda? – ele aqui e ali acabava apertando involuntariamente o botão seletor
de canais. E saber o que acontecia? Na hora do drible mais esperado, do chute
mais assustador, do contra-ataque menos óbvio, a tevê – aquela mesma que pouco
antes ainda soluçava como que chorando profeticamente por Neymar – mudava de
canal. Sim, mudava de canal. De maneira que, bola nos pés de David Luís, a
gente tomava um susto com o corte brusco pra novela mexicana do SBT...
-Porra,
Renato, isso é lá hora de limpar controle remoto?
O resumo do
sofrimento é que, para além do trauma coletivo em que nos vimos mergulhados com
Neymar, deu certo. E a gente já tratou de avisar que para a próxima terça
estaremos todos lá, com nossos cacarecos, saquinhos de pipoca (os mesmos que
levamos sexta e que sabemos que não servirão de nada), meu lanche de
pré-infartado em recuperação e tudo o mais. Porque todas aquelas mandingas que
nos ameaçaram tanto e que narrei aqui na verdade foram como talismãs ao
contrário. O que era um tremendo sinal de má sorte acabou, joelhada em Neymar à
parte, garantindo nossa vitória. Então, Renato e Aninha, fiquem espertos: nada
de consertar o micro-ondas (nem comprar um novo, que pode ser o passaporte certo
pra a derrota) e se for preciso chamem um técnico da Net meia hora antes da
partida para garantir que a tevê volte a apresentar o mesmo defeito de
sexta-feira passada. Pelo menos nos dez minutos iniciais do jogo. Se a
televisão não pifar, vai ser um péssimo sinal. Quanto à limpeza de controle
remoto, não se preocupe: já estou juntando todos os que tenho pelos quatro
cantos daqui de casa para lhe dar trabalho até sair ao menos aquele primeiro
gol que, se não garante a vitória, ao menos ameniza o sofrimento inicial. Até
terça!
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014
Natal em dia branco
Foi uma visita de médico (brasileiro, not cubano, ao que consta) a Natal no final de semana que passou. E nos recebeu entre a tarde de sexta e os finalmentes abreviados do domingo uma cidade quieta, calma, tranquila como ela um dia terá sido. Natal meio vazia, sem um só, solitário e agoniado reclamão no trânsito; Natal clara, vestida de branco como um protesto destinado a acabar em grossa pancadaria, branca como uma velha canção de Geraldo Azevedo. Uma Natal julina, baixo-estacionada em intervalos de pacotes turísticos. E, no entanto, cheia deles no hotel. Mas nem assim - Natal go back, oitentista num piscar de olhos entre uma sexta e um domingo.
Teve show na Ribeira, compromisso familiar - o aniversário da matriarca Izabel, que merece todas as homenagens -, teve praia apesar do nublado julino que não faz diferença alguma; ao contrário, mantém aquecido o corpo sem tostar o cangote. Tinha tudo pra ser massacrante, corrido, ansioso e demarcado e no entanto tudo soou como um sunday de pitanga, açaí com mel na entrada do conjunto Ponta Negra onde, aliás, nem deu tempo de ir. Natal fora de feriado, quase fora de temporada, fora das caixas registradoras e meio fora de si como convém vez em quando. Natal do alheamento, quando você encosta o cotovelo num cascudiano canto de muro e deixa-se estar, sem mais.
Nem a agonia da recepcionista do hotel que, num rompante, emparedou o colega de trabalho que se atrasou ao seu chamado - "que foi, tava com dor de barriga?" - tirou a placidez da minitemporada. Respirou-se, livre de horários por absoluta exiguidade do tempo disponível mesmo, o ar da passagem das horas. Tomou-se o sol dos últimos estertores do horário de verão, bebeu-se a água do "é comigo?", cheirou-se o perfume do fica pra depois e assim ajustou-se a nova e frenética Natal Citi de ganhos e despesas numa, como é que se dizia até outro dia pensando que se estava a falar mal do lugar...?, numa, isso mesmo, província abençoada do não ser e não estar.
A propósito, pra quem achar que a abstração pode comprometer a qualidade da homenagem: esqueçam, vez em quando, Ponta Negra e Pirangi, e corram para lugar mais próximo e de uma tranquilidade que vai explicar muito do que foi dito aqui: as praias desconhecidas da Via Costeira, nos oitões dos hotéis, onde se tem farta faixa de areia, um ou outro vendedor afixado para lhe garantir uma bebida (não mais que isso, como tantas vezes convém), espaço à vontade e uma sensação sem palavras de mar de infância, dessas que ilustravam antigos livros didáticos da segunda série primária. Você vai descobrir outra Natal.*
*De toda aquela extensão da Via Costeira, recomendamos a praia situada atrás do Hotel Parque da Costeira: você tem estacionamento à vontade e uma rua pavimentada em paralelepípedos para lhe levar até à beira do mar. Sossego que hoje, quando existe, custa caro. Lá, é de graça.
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
O listão do Leitor Bagunçado
Como acontece todo final/início de ano, o Leitor Bagunçado é chamado às fuças pra prestar contas de sua produtividade ao longo dos doze meses anteriores. Afinal, não basta ganhar um apelido bacana - é preciso estar à altura dele e mostrar, na chincha, o tutano que lhe dá sustância. Uma lista muito coerente de livros lidos ao longo do ano, portanto, é bola fora. O que vale mais é a balbúrdia literária, que ora joga numa biografia matadora (como "Steve Jobs", um painel incidental do mundo da informática, que fechou o ano e é de dar saudade por várias semanas), ora vai de romance noir como há tempos não está nem um pouco na moda - pior para a moda (é o caso de "O longo adeus", Raymond Chandler).
Falar em moda, o Leitor Bagunçado frequentou, sim, títulos que se tornaram meio obrigatórios, como o cool e brazuca-invernal "Barba ensopada de sangue", de Daniel Galera - uma história que infesta com dramaturgia de desencontros familiares um vilarejo típico de verão. Só pra não manter coerência alguma, citemos agora o bravo, corajoso (porque autêntico) e sobretudo comovente (uma característica difícil de se encontrar num ensaio) "O fole roncou". Ao se arriscar a empacotar em um só livro as mil e uma biografias dos músicos que dão vida ao forró, de Gonzaga a Dominguinhos, de Marinês a Seu Vavá (quem? Genival Lacerda), os autores tratam esse gênero musical com o respeito e a importância que ele tem na cultura nordestina - diga-se mais, na indústria cultural nordestina, que garantiu ao forró um outro estatuto.
É para mudar radicalmente de assunto, garantindo o caráter bagunçado do insistente leitor? Então bote aí "Ostra feliz não faz pérola", pacote de textos paracomportamentais de Rubem Alves, autor que o dito leitor desconhecia até este ano. Precisa voltar a este oráculo da modernidade. Também ficamos em dia com a bagunça da modernidade tucana da era FHC lendo, bem depois de todo mundo ou com o atraso regulamentar a "Privataria Tucana" do repórter Amaury Ribeiro Jr, cuja documentação é vasta, mas qualquer leitor sabe que, independente da legitimidade, documentos são sempre chatos: o melhor do livro é o clima nos primeiros quatro capítulos, um rastro de suspense e tensão inerente aos turbulentos episódios narrados. Se você quer conhecer melhor os meandros por onde andam os eternos presidenciáveis do partido - Aécio e Serra - passe os olhos neste livro.
"Hamlet no Holodeck" nem deveria estar aqui: é leitura semiprofissional, usada por mim na monografia que escrevi sobre TV Digital para uma Especialização da Universidade Católica de Brasília. Mas como é bom, viu? Quase bota minha dissertação a perder, desviando de vez o tal do foco. Gosta de seriados, de hoje e de antanho? O livro vai lhe animar bastante. Mas é do tipo que só comprando pela internet, sob encomenda e tal. Se o seu caso é mais um ensaio de maior gravidade, experimente voltar a Erick Hobsbawm, com o "Tempos fraturados" lançado este ano. A recomendação é que primeiro leia um dos clássico do historiador que nos deixou este ano - eu fui de "A era dos extremos" há alguns anos. Esse "Tempos" vai soar mais duro aos seus olhos, mas mesmo assim tempera nossas dúvidas mais recentes, especialmente se você é do tipo que ficou todo animadinho com os protestos de junho. Cuidado para não se entusiasmar muito e acabar tirando conclusões impacientes como as de um black bloc embriagado.
Grandes narradores, do tipo inesgotáveis, que se jogam nos textos e o afundam o leitor nas suas águas, seja este bagunçado ou não, também frequentaram a lista de 2013. Lembro o velho Bukowski de "Hollywood", com um argumento sob medida para o seu espírito bebum-transcendental: a encomenda de um roteiro pro cinema que nunca vai sair conforme o esperado. Outro exemplo é o Ian MacEwan de "Serena", com uma metalinguagem tão bem realizada que você nem desconfia até chegar ao último parágrafo. Belas ideias sobre livros, leitores e leituras. Ou um autor serialista, desses que enchem listas de mais vendidos com seus investigadores recorrentes: fui de Daniel Silva e seu "O caso Rembrandt".
Tem como passar 365 dias sem ler nem um título sequer sobre o mundo do cinema? Impossível, como comprova a lista 2013 do Leitor Bagunçado, apresentando o legalzinho "Alfred Hitchcook e os bastidores de Psicose", de Stephem Rebello, que veio junto com o filme adaptado. Na mesma estante, "Alguma solidão e muitas histórias", livro-depoimento do cineasta João Batista de Andrade, o homem por trás de filmes como "O homem que virou suco" e "A próxima vítima" (este, um pequeno clássico noir-paulista feito nos anos 80, injustamente esquecido). O volume da conhecida coleção da Imprensa Oficial paulista é de uma angústia de fazer medo - tanto mais porque soa verdadeira, nem um pouco glamourizada. João Batista é um homem triste, fazer o quê? Como dizia Leminski (que, apesar do sucesso do relançamento de suas poesias, não está na minha lista deste ano), "um homem com uma dor é muito mais elegante". Inteligente, com certeza, o livro é.
Pra encerrar na ordem inversa de leitura - como convém a um leitor que se julga bagunçado - vamos aos três primeiros livros lidos no ano que passou: a memória de Clotilde Tavares que, por se tratar da vida num internato acabou lembrando a minha própria ("Formosa és"); outra reminiscência embora trabalhada em tom de literatura direta ("Relato de um certo Oriente", de Milton Hatoum); e a biografia de Dilma Houssef escrita por Ricardo Amaral, que foi o livro em que eu ingressei em 2013, sob o aprazível ambiente de um hotel em São Salvador da Baía de Todos os Santos. O título era, é, será sempre inspirador: "A vida quer é coragem". E alguma bagunça, que ninguém é totalmente de ferro nem completamente de vento.
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