domingo, 13 de outubro de 2013

Na contracapa do verão



O título remete a um clássico filme oriental e parece apontar, uma vez reaproveitado no livro, para uma trama meio faroeste brazuca. Mas não é nada disso e mais do que a barba, o que temos no livro do momento escrito por Daniel Galera é uma alma empapada em sangue. Matéria escura, viscosa e repleta de componentes que reforçam os infartos intermitentes desta alma jovem que o livro abre e investiga como quem faz a autópsia de um ser vivo vitimado todos os dias pelo câncer da angústia.

Estamos em Garopaba, sítio de verão mais que conhecido do litoral de Santa Catarina, e transitamos entre lojinhas de estação, bares nem sempre abertos, pequenos postos de saúde, mercadinhos, gente em trânsito, sem futuro definido ou maiores amarras. Neste cenário dá-se a anti-aventura absoluta de um típico turrão - ainda que ele tenha, aparentemente, menos de 30; faixa etária em que este modo de ser no mundo ainda não se cristalizou. "Barba ensopada de sangue" é o livro que enumera as antiperipécias de um turrão em formação: o cara naquela etapa da vida em que começa a colecionar o amargor de dados momentos; quando a personalidade vai fazendo curvas mais derrapáveis; virando a esquina pisando em sandálias que começam a ficar gastas e a pedir substituição. Mas ele, como bom turrão em processo de sedimentação, segue caminhando indiferente ao estado de si próprio e do mundo em volta. Há, em paralelo, a clássica investigação sobre o papel do pai, aqui reelaborado na figura de um avô desaparecido - e quase mitificado; o que não deixa de ser um ingrediente e tanto no difícil preparo que resulta na figura de um turrão juramentado.

Tudo transcorre em aprazível velocidade de cruzeiro literário, a formação do turrão e o argumento narrativo reforçado de que este tipo de pessoa sempre terá suas razões - seu troféu e ao mesmo tempo sua ruína. Há um ritmo e um fluxo constante de fatos e não-fatos, de pequenos incidentes e grandes manifestações habilmente sugeridas - como a aversão da comunidade a este jovem e sua ascendência - , compondo este recorte na vida de um atleta  gaúcho metido na contracapa da aldeia de verão, já que tudo se passa num inverno anticlimático por excelência. Se fosse um Harold Robins ou similar, Daniel Galera poderia ter dado a este livro o título folhetinesco de "O outro lado do feriadão". E escrito nas orelhas para os leitores menos pacientes: uma aventura praieira sobre solidão, família, mitos urbanos e a necessidade de isolamento que todos temos. Seria tudo verdade, cada um dos itens prometidos. Mas a abordagem, que em muitos momentos me lembrou o livro do amigo Carlos de Souza - "Crônica da banalidade", editado em Natal em 1988 - é que ensopa de tempero literário diverso essa barba de narrativas desfiadas em possibilidades, chaves e acasos. Definitivamente, este é um romance que não foi escrito para ser lido à beira mar durante as férias.

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