segunda-feira, 5 de agosto de 2013

No caminho das cachoeiras


Fim de semana recente, últimos dias de férias de Cecília e Bernardo, seguimos para quatro dias em Pirenópolis-GO onde, como é natural nesses passeios, tomamos o rumo de uma das inúmeras cachoeiras que ficam no entorno do município histórico. As cachoeiras de Pirenópolis normalmente exigem algum trabalho para que a gente consiga alcançar suas águas. É preciso fôlego e disposição para vencer estradinhas de terra - nesta época, mais seca, de muita poeira levantada pelo carro que invariavelmente está à frente do nosso; coisas com que já está acostumado quem conhece o lugar e seus apelos naturais. Tem que ter espírito de aventura, abrir o coração ao inesperado  - uma freada brusca, só pra citar um exemplo, nos envolveu numa bruma seca de areia branca desfeita em nuvem de pó durante intermináveis segundos - e pagar, dizendo melhor e simbolicamente, fechar os olhos para ver. Fomos à cachoeira do Abade que, mesmo com aquela infra-estrutura que os empreendedores do turismo rural há tempos já tiraram da algibeira, ainda oferece os obstáculos felizmente irremovíveis. E esse felizmente você vai entender já.

A cachoeira do Abade é daquele tipo que cai de um penhasco bastante alto e numa área de clareira, resultando em uma pequena praia no seu desaguar; um arco de sol e de umidade fria e farta no meio do cerrado inclementemente seco e quente. Mas, como sempre, fica um estranhamento: tanto deslocamento, tanta poeira na estrada, tantas curvas de um caminho que parece nunca acabar e, quando a gente enfim se vê diante da cachoeira - a gente e um penca de goiano-brasilienses ansiosos por um banho do que quer que seja - parece que a tal queda d'água não é tão-tão, como diria um personagem de Guimarães Rosa. 

Qual nada: o que a cachoeira, seu caminho, suas dificuldades e sua aparente insuficiência - por mais bonita e agradável que seja - nos revela em fins de semana como esse de dias atrás é a necessidade e o prazer do percurso. Pense em quantos livros o tão criticado - e tão lido - Paulo Coelho vendeu só falando sobre isso. Tão-tão: é necessário, ensina a cachoeira distante, sair da linha reta do todo-dia e percorrer a sinuosidade da estrada de rodagem para arrancar um pouco da poeira com que o conforto costuma recobrir a vida. A sensação boa que vem na volta para o quarto da pousada após aquele passeio até curto à cachoeira - levando em conta não o tempo do deslocamento, mas aquele que se passou efetivamente à sombra de suas águas - pode vir não exatamente daquele lugar tão fotografado, buscado, imaginado. Mas, sim, do trabalho que se tem de chegar lá: a exposição à intempérie natural que faz parte da nossa ancestralidade; a visão do vale goiano que se tem do alto da colina, a formulação de respostas para as mil perguntas com que as crianças pontuam o passeio todo; o sol ofuscante que faz graça das suas lentes escuras; até a fila na portaria da entrada oficial do lugar, que parece dizer que não cabe mais ninguém e depois de tanto esforço você vai ter que voltar - ou escolher outra cachoeira para lavar seu enganoso bem-estar. 

As cachoeiras de Pirenópolis estão todas à espera de despejar suas águas dentro das nossas desidratadas rotinas. E  para isso elas têm a sabedoria de impor suas gratificantes dificuldades, milimetricamente dispostas ao longo do enovelado caminho: reconhecer seus benefícios e dar o primeiro passo é a bandeirada inicial que, ao final, vai revelar que a cachoeira em si é só um adorno, uma cereja aquosa no bolo ressecado de uma pequena aventura de férias capaz de recobrir a vida de um novo sabor. Ou mesmo um sabor antigo, do qual eu, você ou todos nós que já fomos crianças cheias de dúvidas e de disposição nem nos lembrávamos mais. Dificuldades podem ser dádivas no caminho da cachoeira das Renovações - essa que embora não exista literalmente com este nome em Pirenópolis poderia ser a denominação comum de todas as outras que de fato existem por lá. 

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