terça-feira, 20 de agosto de 2013

1973


O que seria da comunicação de massa sem as efemérides? Me apresente uma edição de jornal ou de revista que não tenha ao menos um texto ancorado no dia de alguma coisa que eu lhe premio com uma assinatura anual da dita publicação. Quando não é assim temos a efeméride da contagem do tempo: agora mesmo, em quantos jornais, sites e revistas você não viu, apresentadas com destaque como se cada um deles tivesse descoberto o calendário romano, a lista dos discos que, lançados em 1973, estão fazendo 40 anos? Aquele Melodia da "Magrelinha", o primeiro Raimundo Fagner, o outro que apelidaram de "álbum branco de João Gilberto", sem falar no Pink Floyd mais regressivamente progressivo...


Eu sei, é divertido: esse tipo de efeméride, em última instância, dispensa discos, livros, capas e datas. O que ele proporciona de mais interessante mesmo - e para além das caixas registradoras que se escondem por trás de quilos de reportagens de jornal e similares - é a memória de nós mesmos. Você rememora o disco, o filme, o livro daquele ano e se vê teletransportado para outro tempo e lugar. Em questão de instantes estará medindo progressos, recuos, resultados ou perdas que aquele mesmo senhor, o tempo, deixou em torno do que sua pessoa foi e do que imaginou que seria, ou poderia ter sido. Sem falar nas variáveis do contexto em volta que parece ter feito de você um brinquedo metafísico.

1973: sem dinheiro, interesse nem idade para consumir qualquer daqueles futuros consagrados discos no instante em que foram lançados, contabilizava eu, assim como os que vieram ao mundo no distante ano de 1966, sete iniciantes anos de idade. Meu primeiro ano no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Primeira série, alfabetização de fato. Uma casa rústica numa rua sem pavimentação feita com muito esforço pelo meu pai - um recanto de aconchego garantido pela minha mãe. Pela manhã, brincadeira de rua; à tarde, escola; no fim da tarde o temido banho; noitinha e noite, ponto nos televizinhos. Pantera cor-de-rosa, Chacrinha, a novela "Mulheres de Areia", TV Tupi. O supremo desenho animado "Hércules", que nunca mais se reprisou. O seriado Daniel Bonne, que a era das caixas de DVD trouxe de volta num dia feliz. 

Lá fora, bem lá fora, havia uma ditadura sanguinária combatida por uma classe média esclarecida, urbana e igualmente distante dali. Crianças, éramos protegidos pela idade e pela ignorância. Num terreno baldio onde se encerrava a cidade, formava-se uma roda de pessoas de idades, ofícios e qualidades variáveis e jogava-se um voleibol não competitivo. Sem campo nem rede; apenas um círculo onde o objetivo não era vencer o adversário que não havia, mas fazer o possível para a bola nunca cair. É uma boa imagem para traduzir o caráter estranho daquele momento: nos anos de chumbo, um jogo colaborativo como não se vê atualmente nesses nossos liberados anos 2000. Pensando bem, contradições sempre existiram. Essas eram nossas variáveis, e acho até que fizemos o melhor que podíamos com elas. 

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