quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

OS CANTOS DO RIO VERMELHO




Salvador é um almanaque urbano de alta concentrabilidade estética e humana à disposição de seu feliz visitante. Hoje de manhã, bastou um rápido mas provicencial passeio a pé por algumas ruas do bairro do Rio Vermelho pra gente se dar conta da jogralesca visual de paredões, fachadas, rostos, barcos e demais elementos que compõem a parte da cidade onde morou o casal Jorge e Zélia. Um grande livro escrito em grafites, janelões, casarões reformados ou decadentes, expressões faciais e cenas cotidianas de uma cidade que parece, o tempo todo, ao menos aos olhos de quem está aqui de passagem e seco por conhecê-la tanto quanto seja possível nessas circunstâncias, um grande filme brasileiro.

É isso: você caminha um pouco entre o hotel impessoal de quarto climatizado e o pequeno porto do bairro e se dá conta de que parece ter uma câmera ancestral embutida no olhar. Um grupo de pescadores fazendo hora sob uma espécie de giral ao lado de uma venda de peixe fresco é, sob qualquer ângulo que se veja, um still de um filme-ensaio de Glauber Rocha. Uma senhora baiana que passa, elegante que só a gota no seu vestido ilustrado por flores, resume uma civilização inteira crescida à sombra desses casarões, sem que seja preciso legendar a visão - um desses presentes que o viajante desligado das falsas facilidades dos pacotes turísticos encontra apenas se estiver disponível para ver.

O Rio Vermelho onde morou nossa amiga Flávia Assaf está repleto de narrativas visuais em suas paredes, de crônicas baianas em suas pequenas cenas do teatro real das ruas, de fragmentos de vida que nem o trânsito selvagem consegue encobrir. Saímos às ruas eu e Rejane num rápido passeio, que desde sempre é a forma como gostamos de apreciar um novo lugar, e vimos e ouvimos histórias de todos os tons, formatos e inspirações sem que fosse preciso nada além de manter os olhos bem abertos. Estivemos diante de lugares que pareciam poemas de Castro Alves, sentamos à sombra de uma pequena enseada que valia por uma trilogia de Jorge Amado, pisamos em pedras que emanavam o teatro de Dias Gomes. A cidade cantou ao nosso ouvido usando as vozes de cimento e alvenaria do Rio Vermelho, pela boca de suas barcaças, via a música do vento que alimenta seus largos. O almanaque foi abrindo suas páginas enquanto a gente passava - e o ilustrando o máximo possível entre as cantoneiras invisíveis mas notáveis deste nosso álbum de viagem.

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