terça-feira, 1 de janeiro de 2013

ABANANDO A BAHIA



Assim como a Bahia não é somente o litoral recortado de Salvador nem apenas a doce umidade de Santo Amaro, há mais de uma Dona Canô nos esperando nos mil recantos da terra de Jorge Amado. Por exemplo, as Canôs que habitam os penhascos de Lençóis, como Dona Edite. E não é da célebre brasileira Edite do Prato que estamos falando, mas de outra, que mantém numa humilde porém honesta lojinha na capital da Chapada Diamantina a tradição do artesanato em palha. Conhecemos Dona Edite, suas peças simples e sua simpatia complexa, ao entrar na lojinha, levados pelos meninos, impressionados com um ou outro objeto exposto.

O principal deles foi um abanador de palha. O tipo do objeto que estabelece conexões inesperadas entre o presente de um período de férias e o passado distante e bem guardado dos relicários da memória infantil. O abanador revelou-se, em toda sua gigantesca simplicidade artesanal, um negócio ancestral, que, sem que percebesse com qualquer destaque, fez parte da vida da minha casa de menino com uma onipresença que somente o passar do tempo – e uma visita inesperada a um lugar como a loja de Dona Edite – tem poder de evocar, redimensionar, projetar no salão reservado onde as boas recordações nos recebem sobre tapetes vermelhos. Eu disse um abanador – e não um leque: que aquele era uma forma barata do outro. Abanador é mais “vida simples”: de palha, rústico, uma peça de engenharia formatada por mãos provavelmente femininas que vão tecendo o tempo enquanto manipulam com sabedoria a fibra que a natureza entrega de graça.

Antes de servir para aplacar o calor dos pescoços individuais, o velho abanador que até hoje Dona Edite vende por cinco pratas em Lençóis era usado para acender o fogo dos fogões a lenha, ou a carvão – como era o caso lá de casa. E, dona Edite nos ensina, é preciso saber usar corretamente o objeto, caso se queira obter a ventilação em cem por cento do que o instrumento é capaz de oferecer. Se pegar o abanador um pouco mais acima ou abaixo da alça de mão em formato de cruz que lhe serve de base, muda o vento. E o vento, a gente intui diante de um abanador rústico, é metade do valor desta vida. Obrigado pelas lições, Dona Edite: compramos dois, cada menino levou um, saíram se abanando pelos becos e ruas quentes do centro histórico de Lençóis. No final das férias, os abanadores têm destino certo: um vai para Vó Bel se aliviar quando o Pitimbu, em Natal, ficar insuportavelmente quente. E o outro vai para Vó Bastiana recordar os tempos em que gerenciava o fogão a carvão lá de nossa velha casa – fogareiro de alvenaria  incrustado num canto da cozinha, aquecido e ventilado na medida certa.

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