Digamos que o estresse é tanto, mas tanto, que você saiu de férias mas a ficha não caiu: parece que ainda está em casa, ou no trabalho, envolvo em planos, metas, hierarquias e quejandos. É quando, disperso e tonto no quarto de hotel ou no apartamento de temporada, você liga a tevê às duas da manhã e dá de cara com um daqueles filmes que só mesmo nas férias e nesse horário: alguma coisa com cenas da Segunda Guerra, um filme de vampiro como há tempos não se exibe mais, uma comédia em que cada cena parece vir com uma etiqueta de autenticação que diz “made in USA nos anos 50”. Enfim, qualquer coisa com Gary Cooper (quem?), ou com cara de faroeste italiano ou ainda um mimo cinematográfico mais do que adornado por... Sophia Loren. Enfim: filmes como não se fazem mais e como só passam na tevê de madrugada quando você está desprevenido – quer dizer, de férias.
Isso poderia
dar origem a um novo gênero de filmes, ou uma daquelas classificações
aleatórias a que se refere Ana Maria Baihana no seu divertido manual “Como ver
um filme”, que o leitor bagunçado vem traçando na maciota. Não tem faroeste,
drama, comédia, dramédia, cinema-catástrofe etc etc? Então também deveria haver
este: filme que detecta que você está de férias. Tudo isso é porque na noite
passada – madrugada seria mais apropriado dizer – ligo a tevê ao final do
primeiro dia de uma semana de férias e dou de cara com um típico exemplar do
gênero. E o melhor é que a emissora que o exibia - a TV Cultura de São Paulo – é daquele tipo de
canal que demora pra informar o nome do filme que está mostrando. De maneira
que além de me divertir com um filme que diz que você está de férias ainda tive
o prazer de ficar tentando adivinhar qual deles era mesmo. Um ar de filme
de espionagem dos anos 70, uma atmosfera
de gente suspeita, uma cenografia européia, pouquíssimos diálogos, performance
à John Le Carré... aquilo parecia muito com a transcrição, em cinema, de um
daqueles exemplares do Círculo do Livro que a gente lia como quem bebe água
depois de atravessar um deserto nos tempos em que o que mais tínhamos nessa
vida era tempo. Não matei a charada, enquanto o protagonista matava vários
personagens secundários na telinha de 14 polegadas do apê (este tipo de filme,
este tipo de situação pedem tevês antigas e pequenas: nada menos
filme-de-férias do que LCD de 42” em HD): só quando o canal me informou é que
caiu a outra ficha. Era “O dia do Chacal” – e eu só não matei antes porque o
titulinho com o nome do filme apareceu bem antes daquela imagem de um alvo de
espingarda com o centro de uma cruz de pontaria bem no meio da testa do ator
que interpretava o general De Gaulle.
Mas aí tudo
já estava consumado como num antigo filme de paixão de Cristo a que a gente
assistia na Semana Santa diante de uma enorme tevê em branco e preto comendo
bolacha creme-craque com suco de laranja que sobrou do almoço: caiu a ficha do
filme e com ela a ficha das férias. Enfim, é como se um departamento do acaso
programado tivesse finalmente liberado minha licença pra descer pra praia na
manhã seguinte, andar por aí, respirar o ventinho de Natal com o desprendimento
que ele pede e proporciona. Sem o filme que lhe avisa que você está de férias,
nada disso acontece. E não vale andar com uma bolsinha de DVDs: tem que ser por
acaso, na insônia da primeira noite, véspera do deleite garantido pela lei
trabalhista. Bom filme e boas férias pra você também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário