segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Dezembro em agosto



Tetê Bezerra em Brasília, show de Pedro Mendes no Feitiço Mineiro e a companhia de um casal que guarda nos poros a memória de uma cidade trouxeram de volta a Natal dos anos 80 para um fim de semana em Pirenópolis (GO)

Se o calor associado à baixa umidade do ar aí fora não fosse tão forte, eu diria que já é dezembro. Ocorre que é em novembro, dezembro, começo do fim do ano, que o mormaço da volta das chuvas traz e instala no ar da minha ideia uma febre de saudosismo da brisa potiguar e seus acessórios todos. Você pode chamar de verão ou de expectativa pelas festas de fim de ano mas posso muito bem dizer que se trata daquele dito desassossego de que fala Dominguinhos na não menos evocativa “Quando chega o verão”. Pois este ano parece que o verão chegou mais cedo. Seis meses antes. Ocorre que existem pessoas habitando Natal, vivendo em Brasília e agraciando com suas presenças a permanência da espécie humana sobre a superfície da Terra que são capazes de provocar este fenômeno – meteorológico, temporal e principalmente humano.

Vamos parar com a elucubração, explicar o que se passa e dar nome aos iluminados que aqui e ali aparecem para lustrar o que há de opaco neste negócio chamado vida, existência, o que for. Ocorre que chegou a Brasília semana passada e aqui está até esta segunda-feira a figura doce de Tetê Bezerra, alguém que com sua mansidão entre Paraíba e litoral, Nova Palmeira e Natal, carrega o espírito de um tempo de calma que só alguns privilegiados conseguem portar, ao não se intimidar diante da correria financista dos dias atuais. Tetê chegou e fomos mostrar a ela a cidade Pirenópolis, uma espécie de Pipa local para onde fogem brasilienses e goianos em buscar de um fim de semana de descanso, de aventura de cachoeiras ou de boemia mansa de mesas e cadeiras ao luar das ruas.



Na véspera, aquela Natal que quem conheceu guarda no relicário da memória – sem ressentimentos com os dias atuais, mas com a mais saudável nostalgia do que foi bonito enquanto durou – já vinha dando seus sinais. Na noite anterior à viagem, fomos eu e Rejane ao Feitiço Mineiro ver com Roberto Homem e sua troupe o show de Pedrinho Mendes. Nada mais evocativo do que o repertório clássico de Pedrinho, a Madeleine gustativa que faz presente no ambiente a antiga cidade das dunas ao mero soar dos primeiros acordes. Saí do Feitiço feliz porque finalmente consegui adquirir os dois primeiros discos do artista que – independente do que ele viria a fazer depois – vão permanecer sempre como os meus favoritos, e imagino que de muita gente mais.

Senti no show que Pedrinho se incomoda um pouco de cantar o repertório daqueles discos (cantou três faixas apenas), como se procurasse fugir do cancioneiro mais batido. Relaxa, Pedrinho, que até Caetano Veloso quando vai no programa de Jô Soares pega o violão de novo e mais uma vez canta “Alegria, Alegria” e suas mais repetidas (e belas) composições. Então imagina um show de Pedrinho longe de Natal, diante de uma comunidade saudosa da terra – e mais do que da terra, do tempo, dos anos 80 de Linda Baby (que, claro, ele teve de cantar) e de “Alegres Meninos” (que o danado omitiu)... A teoria da calda longa taí pra mostrar que mais do mesmo é necessidade estética tão forte e significativa quanto a novidade. De qualquer maneira, o show do Pedro consolidou algo que na verdade veio se desenhando uns dias atrás.

Aqui, no computador, tuitando com os amigos, Rubinho Lemos – outra figura que só de falar nele já quase posso ver a máquina do tempo bom abrindo a porta aqui do meu lado – contou que encontrara uns dias antes numa locadora de filmes meu velho amigo Jano Sérvio, a quem não vejo há tempos, mesmo indo regularmente a Natal. Pois a mera observação de Rubinho me trouxe de volta outro capítulo bom dos dez anos em que morei na cidade do sol, período de formação, tempos de universidade, verdes anos que a gente tem que manter vivo a todo custo – tem mesmo, trata-se de cada um encontrar o seu jeito de fazer isso. Este texto aqui mesmo é pra mim uma dessas maneiras. Este blogue, a Hamaca, é outra.



O tuite tombém, ora. E foi tuitando no mar da insônia que esbarrei em outro pequeno marco daquela Natal que, como dizia no início, normalmente chega com força em dezembro mas este ano se antecipou pelas mãos de Tetê Bezerra e mais duas pessoas de quem falo já, paciência. Tuitando, como dizia, velejava nas enseadas do YouTube em busca de coisas do tempo e do lugar para recomendar aos amigos online (um deles, Valdir Julião, outro representante daquela Natal) quando esbarro em algo de que mal lembrava mesmo tendo ouvido tanto: Arrigo Barnabé e outra Tetê, a Espíndola, cantando “Pô, Amar é Importante”. Como ouvi essa música, quantas e quantas vezes. Não sei bem se na casa do meu amigo Jano ou sob o teto do meu outro amigo Carlos de Souza: só sei que ouvi muito, que não lembrava absolutamente disso e que, assim como a “Linda Baby” de Pedrinho, essa é uma música ligeira que, por força do que representa para a memória e a reconstituição de um tempo que, como todos os outros, enfim passou, é um achado parecido com tônico da juventude. Não existe, mas você bem pode inventá-lo com a força da memória e da emoção (não por outro motivo, “Pô...” é a postagem anterior a esta aqui na Hamaca).

Há um derradeiro e igualmente evocativo parágrafo nesta postagem que conta sobre o verão antecipado que chegou com Pedrinho, Arrigo e as duas Tetês – a Bezerra e a Espíndola: ocorre que Tetê levou para Pirenópolis com a gente o casal potiguar João e Josemária – ele de Caicó, ela de Macau. Não sei se pela origem comum seridoense, mas João se mostrou aquela pessoa que você vê pela primeira vez e tem a impressão de quem sempre conviveu com ela. O cidadão que, identificado com os mesmos pontos de partida, a mesma geografia humana pretérita, torna-se instantaneamente um amigo com quem se está tão à vontade como se conhecesse desde o jardim de infância. E é bom que isso ainda aconteça quando a gente tem 45 anos, vive numa cidade onde os contatos pessoais são menos efusivos do que na costa nordestina e onde, por questão de vida profissional e familiar mesmo, acha até que não vai mais encontrar novos amigos. João, com seu sorriso de caicoense tranqüilo, contraria tudo isso.



E junto com ele, tem Josemária – que eu conhecia, ora. Sabia que conhecia antes de encontrar na partida para Pirenópolis aqui perto na igrejinha do Setor Militar. Você também deve lembrar de Josemária, uma figura marcante da Natal dos anos 80 e que hoje está instalada em Brasília, cidade que adotou, botou no braço pra ninar e não pretende deixar tão cedo. Josemária Patrício foi uma revolução no sistema policial potiguar da década de 80, como delegada de Defraudações e de Roubo de Veículos num tempo em que qualquer feminismo era batalha muito mais ferrenha. Agora você imagine no campo do trabalho policial, minha leitora e meu leitor identificado com as coisas do tempo e do lugar. O que eu ignorava é que Josemária é um livro de memórias sobre a Natal dos tempos em que Ponta Negra não tinha água encanada nem telefone, da época em que o meio estudantil da UFRN misturava direito com filosofia (como ela própria fez), de uma era em que a gente ria sem maldade de certa figura apelidada (pela turma de Josemária, veja só) de “Pinote de Cabra”.

Dias atrás houve no tuite um pequeno movimento que lembrava a “Natal das antigas”. Josemária não usa o tuíte ou qualquer outra rede social. Se usasse, teria dado show no “Natal das antigas” com as lembranças que mostrou pra gente no final de semana em Pirenópolis, durante este encontro que cimentou a impressão dispersa no ar da minha percepção de que, sim, este ano o verão chegou mais cedo. Ou pelo menos deu uma prévia de presente neste restinho de pausa de meio de ano, a tempo de a gente respirar fundo e se agüentar até o dezembro propriamente dito, quando a sina do tempo lembrado se completa e se renova. E esta postagem é o meu muito obrigado a todos os aqui citados e que permitiram, favoreceram, contribuíram para que essa bonança extemporânea acontecesse.

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