conexões entre amigos, livros, filmes, discos, memórias, férias, viagens, natal e brasília
quarta-feira, 16 de março de 2011
Meias, chinelos e Cacaso
Estou deitado no sofá de pernas pro ar assistindo pela quarta ou quinta vez ao DVD de Olivia Byington que Roberto Homem me deu de presente num aniversário desses em que se faz bem mais que 40 anos. É quando a cantora, naquele ensaio de monólogo musical que é o simpático espetáculo, introduz no roteiro o nome do poeta Cacaso. Antonio Carlos Ferreira de Brito, mineiro-carioca, a cabeça de pensamentos lírico-cotidianos que usava sandálias de borracha de pneu com meias brancas. Olivia lembra dos tempos em que convivia com Cacaso, oscilando entre a condição de fã do grupo A Barca do Sol à de frequentadora da casa de Geraldo Carneiro, pai do poeta do mesmo nome, naquele Rio de Janeiro esclarecido tipo avenida Atlântica com Vinícius de Moraes - o próprio e não a rua, que fique claro - do início dos anos 70. No DVD, Olivia Byington mostra uma canção que fez e incluiu no seu mais recente disco de composições inéditas em que entrou, na segunda parte, um pedaço de poema de Cacaso que ela por acaso encontrou em casa quando mexia no que chama, poeticamente, de "guardados".
Corte brusco: Natal, RN. Lá, vive uma conhecida muito querida da gente lá de casa que um dia, na rua, talvez numa manifestação pública como aquelas que não se realizam mais, os tempos são outros, o individualismo venceu, nossos heróis morreram de overdose, pois bem, nossa conhecida viu de longe, ou ao longe, como soa poeticamente tão mais antiquado quanto melhor, um certo poeta local calçando sandálias e meias. Sim, leitores, sandálias de couro com meias do tipo soquete, se é que é assim que se diz. Numa cidade quente como Natal, numa tarde abafada como devia ser aquela, e o poeta de sandália de couro com meia branca, um visual bem pouco comum na deselegância discreta da poetagem em geral da cidade Natal. Apaixonou-se a nossa conhecida. De cara, ali, no ato. Dizem que o diabo mora nos detalhes, pois neste caso pode-se dizer que é a paixão que neles reside sem pagar aluguel. Magnetizada pelo efeito psicodélico das sandálias com meias na tarde natalense, a conhecida chegou a pensar que o poeta era gay, mas, dane-se: apaixonou-se assim mesmo. Deu-se: o poeta de sandália de couro com meia soquete branca não era gay coisa nenhuma e logo os dois estavam casados, dividindo gavetas, meias e sandálias. Foram felizes enquanto durou o encanto da moda esquisita para os padrões locais. Mas foram, é o que importa.
Lembrei da conhecida, do poeta nordestino de chinelo e meia sulista, na imitação evidente que aquilo representava, no quanto esse apelo de copiar a marginalidade cult alheia é, foi e será sempre um fato, uma tendência, uma inclinação não necessariamente condenável. Vendo o DVD que Roberto meu deu e nem imagina o quanto gostei do presente fico me lembrando da história do próprio Cacaso, que foi aquele hipongo com altivez, alternativo resistente à primeira oferta de comercial de telefone, professor culto com imagem de estrela pop despojada - um tempo em que, como conta Geraldinho Carneiro em artigo para a revista Bravo, alunos acorriam para uma determinada sala de aula somente porque um certo fulano muito instigante pelas idéias, e não pela fama vazia, estava dando aulas absorvidas como sorvete de chocolate por cabeças famintas de conceitos e questões. E como Cacaso foi-se repentinamente, na cauda fervente de um enfarte fulminante em 1987, o jeito é reencontrar o papa de jeans da poesia marginal naquele mais que especial disco de Edu Lobo em que canta, na voz do outro, a labuta sentimental e existencial de um brasileiro de estatura mediana que gosta muito de fulana, embora não seja correspondido, como se dizia naquele tempo em que a palavra marginal tinha muito mais do que um mero sentido.
A Hamaca Multimídia facilita sua vida e fornece os links para você se ilustrar:
Para ler o artigo citado de Geraldinho Carneiro, clique aqui.
Para ouvir Edu Lobo cantando "Lero Lero", clique aqui.
Para navegar pelo mundo musical de Olivia Byington, clique aqui (site oficial, onde você encontra o DVD comentado, "A vida é perto")
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Postagem em destaque
O último cajueiro de Alex Nascimento
Começar o ano lendo um Alex Nascimento, justamente chamado "Um beijo e tchau". Isso é bom; isso é ruim? Isso é o que é - e tcha...
-
Existem pessoas que parecem nascer com um dom especial de saber escolher o presente que dão pra gente. No meu caso, e sem prejuízo para o co...
-
Começar o ano lendo um Alex Nascimento, justamente chamado "Um beijo e tchau". Isso é bom; isso é ruim? Isso é o que é - e tcha...
-
O período deste post cobre 13 dias sem o amigo ter notícias do Projeto Leitura, 5 livros a serem lidos em 30 dias, 46 páginas mínim...
Tião,
ResponderExcluirCacaso,grande poeta,um dos parceiros musicais de Suely Costa.Tinha que morrer como morreu,assistindo a uma luta de boxe pela tv,os poetas não são dados e essa violencia rasteira desses tipos de luta.Um dos poemas de cacaso que mais gosto e que foi musicado por Suely é "dentro de mim mora um anjo".