sábado, 12 de março de 2011

Do Japão


Se as imagens acachapantes das ondas gigantes labendo a terra em fúria indiferente à pequenez do bicho homem fossem pouco, poderia me valer de outro sinal de grandeza para, como a humanidade em geral, recolher-me à insignificância da espécie. Um sinal que pode não ter o apelo vivo e direto daquelas imagens transmitidas para todo o planeta, mas que, expressando-se num valor numérico, matematiza a singularidade da ocorrência por meio da equação da memória. Não estou falando dos débeis tremorezinhos que nos assustaram nas cercanias de João Câmara nos anos oitenta, mas da largura do vão que se abriu nas profundezas da crosta terrestes sob os mares do Japão no fatídico dia de ontem: 240 Km.

Alguém pode pensar que não há lógica ou liga analítica que seja entre uma hecatombe natural como a que aconteceu no Japão e uma mísera numerologia pessoal de uma formiguinha humana qualquer a milhas e milhas do local da tragédia. E não há mesmo, à primeira vista, especialmente quando esta visão é de restos de casas, barcos, carros e aviões à deriva como brinquedos numa banheira infantil. Mas também há, uma vez que tragédias como a japonesa são algo tão intangível para quem está distante - tão inimagináveis por mais que a imagem da tela doméstica em 3D, que seja, pareça reproduzir as menores gotículas do maremoto - que somente recorrendo a algum detalhe minimamente próximo à nossa realidade distante da catástrofe podemos conferir a ela alguma realidade menos televisiva.

E aqui entra a largura do racha aberto na crosta da Terra pelo terremoto de ontem: 240 Km. Ocorre que esta é a distância entre Natal e Parelhas, no interior do RN, pela pista que liga a capital do estado à cidade onde cresci. E só de pensar nas quatro horas de ônibus que levava entre um ponto e outro - incluindo no tempo demandado o sistema de pinga-pinga então vigente naquela forma de transporte - vem à mente um clarão, este sim de extensão insubordinada a qualquer forma de medida, revelador da dimensão do que aconteceu. Duzentos e quarenta quilômetros de buraco, digamos assim. Uma vala onde parece que poderia cair a humanidade inteira num átimo de segundo, como uma piada do caos absoluto que juntasse, nas margens opostas do abismo, a maior e mais ínfima das grandezas e, entre elas, em queda livre, o bicho homem - impotente na tragédia mas ainda assim crédulo no dia a dia. Esta é a nossa equação, pessoal, coletiva ou mundial diante do fim. Que a nossa capacidade nem um pouco matemática de reinvenção sempre poderá transformar em um outro começo.

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