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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
Credo urbano
Manadas de utilitários negros e prateados escorrem pelas vias do Plano Piloto. É o dia motorizado raiando no verão asfáltico de Brasília, com sua procissão de servidores e suas igrejas hierárquicas de bispados variados. Encerrado o ciclo dominante das chuvas da estação, a cidade já se plastifica com seu ar rarefeito de céu azul e sol que apunhala com gosto os cumes pontudos de suas catedrais e monumentos. Agora é se expor a essa organização urbana que nem a corrupção mais gravada em video consegue desmanchar. Comemorar o feito de acordar, tomar café, trabalhar, amar, sofrer e festejar - viver dentro desta abóbada curva projetada pelo arquiteto que nunca morre.
Eixar-se por tesouras viárias à guisa de esquinas arriscadas, enquadrar-se em praças raras de poucos bancos mas sem esquecer da dádiva dos parques, onde afinal eles existem, junto com as ilhas de sossego com que sonha o estressado habitante das metrópoles. Nem as cidades medianas, embebedadas pelo crescimento especulativo em que o planejamento é um palavrão, podem competir. Mediana e interiorana, vasta e mineira, moderninha e careta, Brasília, de tão diferente da urbe brasileira em geral, termina sendo seu resumo mais contundente. Com um plano, que é o que afinal faz toda diferença.
Um plano que sugere ao visitante espantando um ar de condomínio fechado - e segue sendo uma espécie de holograma vivo do que poderia ser cada uma das nossas municipalidades caso houvesse um mínimo de estudos antes de se fixarem as pedras fundamentais do atraso fantasiado de futuro. É antipática esta visão de um paraíso urbano arrumadinho em país tão urbanamente essburacado, especialmente quando o visitante se afasta rumo às cidades satélites. Mas a medida dessa aversão é a mesma do choque de percepção de quem vê nos seus canteirinhos uma possibilidade de harmonia entre homem, carro, casa e comércio.
Uma organização espacial que antropologicamente se transforma e se instala em seu próprio morador, fazendo do habitante, cedo ou tarde, uma extensão de seu plano. Brasília está cheia de curvas bem projetadas e setores meticulosamente distribuídos - aqui hospitais, ali oficinas, mais além casas térreas, aquém quadras de apartamentos - mas também de pessoas que sem perceber vão se departamentalizando. Para a vida prática, é dez. Para a compreensão do país, nem tanto. Mas é meio inevitável - um efeito colateral da segregação urbana que também é o maior furo do projeto todo.
Só que, assim como os homens, as cidades, mesmo as planejadas, são imperfeitas. E para além da declaração dessa obviedade, o que não se pode negar é que o plano, só por haver, já denota um destino, um propósito - uma educação de que aquele mesmo país tanto necessita. E só por isso de vez em quando é bom viver entre os esquadros vivos que delimitam Brasília.
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