terça-feira, 30 de novembro de 2010

Como nossos pais


Agora nós temos mais um concluinte aqui em casa. Formada, com diploma enrolado naquele canudo de camurça, anel de lembrança, convite e fotos oficiais, breve teremos até o álbum completo. Não foi nem Rejane num virtual doutorado nem eu num ainda mais remoto mestrado. Quem “colou grau” – não há como a expressão não soar com uma mistura de solenidade com humor, o que é ótimo porque tira a seriedade desnecessária sem avariar a importância do título – foi... Cecília. Como disse a Tia Aninha – que não é a professora, mas a madrinha de Bernardo – foi “a primeira conquista da vida dela”.

A gente sabe, eu e Rejane, embora o nosso vocabulário seja menos formal. E nessas horas, nada como a presença de alguém como Aninha, sublinhando a cerimônia que um par de pais informais demais nem sempre sabe cultivar como mandam os regulamentos. Pois é: Cecília se “formou” no Jardim, com aquela colação de grau bonita, sensível, festiva e solene na Escola Sagrada Família Menino Deus (quase o mesmo nome do meu distante “Jardim de Infância Jesus Meninos, que ainda deve até funcionar lá em Parelhas, não sei).

E foi bonito ver nosso bebê com jeito e expressão de gente grande entre os colegas, metida numa beca vermelha e calourenta, ouvindo e participando de cada etapa do ritual – juramento, entrega do diploma, discurso da professora, hino nacional e tudo o mais – segurando firme o sono e o cansaço que nessa hora a gente, adulto ou criança, sabe que bate. Vendo Cecília ali, os olhos cheios de água muitas vezes, muito bem disfarçados com a saidinha para tirar uma foto e tal, lembrei das minhas três formaturas e pela primeira vez vi o filme passar de novo, renovando a perspectiva.

Explico: lembrei de minhas três colações de grau; a primeira no jardim (nacos de memória voltaram, com esforço, para além da foto três por quatro de beca e com aquele chapeuzinho engraçado, que era tudo de que eu lembrava até então); a segunda no segundo grau no glorioso CAJ (Colégio Agrícola de Jundiaí, que com toda certeza já mudou de nome faz tempo) e a terceira, a maior de todas, lá na praça cívica do campus da UFRN, no final do curso de Comunicação.

Da primeira, como disse, lembro quase nada, mas só de ver Cecília ali naquele palco no centro do pátio da escola me veio um fio de memória esfumaçado pelo tempo, eu incomodado numa roupa muito especial, com calor como Cecilia devia estar se sentindo, um colarinho apertado, e minha mãe e minha professora – Dona Eliene – me entregando um canudinho branco amarrado com uma fita vermelha e um monte de gente olhando pra mim naquele momento. Um flash que eu nem desconfiava que teria, memória resgatada, de fato, muito mais por Cecília do que por mim – presente que ela me deu no dia de sua primeira formatura.

Das outras duas formaturas, com memória mais vasta graças ao advento da idade, veio o caráter fortemente solene da segunda. Nossa paraninfa geral da turma era, imagina quem, Odiléia Mesquita em pessoa, o que já diz muito sobre aquele bando de adolescentes completamente desorientados num mundo pré-internet. Odiléia era a prefeita da cidade onde se situava a escola, uma espécie de Viúva Porcina da política local no estilo e na prática política propriamente dita.

Foi certamente uma formatura muito mais sufocante do que a primeira, de maneira que passo logo à terceira, colação de grau superior, sempre a mais divertida, marcada pela juventude, por uma inconseqüência boa, por um antiformalismo visceral que fazia a gente rir de tudo, debochar de cada pedaço do ritual, invalidar ali, no interior das colunas de alunos que formávamos, um bando de embecados loucos por viver a vida e nada mais, tudo o que para nossos pais eram momentos da mais extrema importância.

Pois bem: vendo Cecília na sua primeira formatura, pela primeira vez me coloquei na posição dos antigos, dos meus pais, e devo ter sentido um décimo do que se passou por dentro deles quando me viram “formado”em todas as minhas colações, do jardim ao campus da UFRN. Uma forma muito particular de emoção intraduzível, como se você estivesse diante de algo que, por mais previsível que fosse, não parece estar acontecendo – como se aquilo tudo estivesse acima do seu merecimento. Enfim, você se anula diante do seu filho – o que, além de ser essencial à continuidade da espécie e muito vital para o cultivo da humildade, é bem emocionante, posso garantir.

Não que o desconforto da formatura do jardim de infância, a solenidade do segundo grau e a bagunça da universidade tenham sido enganos, erros, culpas. Nada disso – cada momento com sua manifestação própria. Mas viver esse tipo de experiência do lado de cá – no camarote da família, como nossos pais – mudou a perspectiva e acrescentou um novo grau a nós mesmos. Agora só falta Bernardo, daqui a dois anos. Vamos ver o que ele vai nos trazer junto com diploma, beca e anel.

P.S: Breve, fotos.

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