sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Depois do fim





“O Quarto de Jack” começa onde a maioria dos filmes sobre casos de sequestro termina. É um thriller diferente, na direção contrária, como que de trás para frente – sem que de fato o seja. Interessa o que normalmente não cabe mais neste tipo de filme – o elemento dramático por excelência, subproduto das investigações, rejeitos dos CSA da TV e do cinema. Nele, o suspense não vem da intriga policial, mas de outro conjunto de pistas e vestígios que a violência implanta em suas vítimas. Porque tudo, repito, acontece a partir daquele ponto onde todos os outros filmes acabam e você sai do cinema satisfeito com a resolução final e a prisão do maníaco. “Room”, de substantivo título original, lembrou-se de acompanhar as vítimas.


Muitas vezes soa como um semidocumentário – e você quase espera que trechos de depoimentos interrompam a história, sobretudo após o ato inicial. Nesta primeira parte, o filme parece se valer da linguagem dos realities shows – pense também na tão badalada caixa cênica da loura Amora e estará bem próximo. Pra ficar mais claro é preciso antecipar o enredo – mas convém confiar mais no mistério e entrar no cinema de olhos vendados. Pra dizer o mínimo, estamos confinados, parafrasendo o BBB, na casa menos vigiada do mundo. E na primeira meia hora, essa retenção sombria, pesada e lenta é tudo – sem ela, não haverá a abertura que o segundo ato propicia, enchendo o filme de uma forma de esperança que nunca cabe em filme de serial killer. O fiapo de história, enfim: tudo gira em torno desse Jack, que apesar da cabeleira e da ternura feminina, é um garoto que comemora com a mãe o aniversário de cinco anos na solidão de um quarto fechado. Pense numa caverna de Platão piorada, de onde não é possível ver nem mesmo as sombras do que se passa lá fora. No máximo, um céu nublado pela claraboia restrita.


A verdadeira sombra externa platoniana, no caso, vem de um aparelho de televisão ligado no quarto – eis uma bela atualização do mito milenar. E diante de Jack (cujo intérprete excepcional lembra em feições e talento o garoto do filme “Paris, Texas“) você tem todo o direito de lembrar de outra terna criatura do mundo do cinema, aquele criado singular que Peter Seller construiu em “Muito Além do Jardim”. Mas é só um impulso, porque se a situação é semelhante; o tom de fábula do filme dos anos 80 (ou final dos 70?) aqui é substituído por uma dissecção de natureza mais realista. Em comum os dois têm o fundo psicológico necessário ao estudo de casos assim. Ao final, assim como mãe e filho redescobrem o valor de cada elemento do mundo – sobretudo aqueles agraciados com o dom da vida – o espectador sai da sala igualmente escura do cinema com as pupilas atentas ao colorido do mundo em volta. Soa piegas? Obrigado pelo elogio. 

 

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