“O Quarto de
Jack” começa onde a maioria dos filmes sobre casos de sequestro termina. É um thriller
diferente, na direção contrária, como que de trás para frente – sem que de fato
o seja. Interessa o que normalmente não cabe mais neste tipo de filme – o elemento
dramático por excelência, subproduto das investigações, rejeitos dos CSA da TV
e do cinema. Nele, o suspense não vem da intriga policial, mas de outro
conjunto de pistas e vestígios que a violência implanta em suas vítimas. Porque
tudo, repito, acontece a partir daquele ponto onde todos os outros filmes
acabam e você sai do cinema satisfeito com a resolução final e a prisão do
maníaco. “Room”, de substantivo título original, lembrou-se de acompanhar as
vítimas.
Muitas vezes
soa como um semidocumentário – e você quase espera que trechos de depoimentos
interrompam a história, sobretudo após o ato inicial. Nesta primeira parte, o
filme parece se valer da linguagem dos realities shows – pense também na tão
badalada caixa cênica da loura Amora e estará bem próximo. Pra ficar mais claro
é preciso antecipar o enredo – mas convém confiar mais no mistério e entrar no
cinema de olhos vendados. Pra dizer o mínimo, estamos confinados, parafrasendo
o BBB, na casa menos vigiada do mundo. E na primeira meia hora, essa retenção
sombria, pesada e lenta é tudo – sem ela, não haverá a abertura que o segundo
ato propicia, enchendo o filme de uma forma de esperança que nunca cabe em
filme de serial killer. O fiapo de história, enfim: tudo gira em torno desse Jack,
que apesar da cabeleira e da ternura feminina, é um garoto que comemora com a
mãe o aniversário de cinco anos na solidão de um quarto fechado. Pense numa caverna
de Platão piorada, de onde não é possível ver nem mesmo as sombras do que se
passa lá fora. No máximo, um céu nublado pela claraboia restrita.
A verdadeira
sombra externa platoniana, no caso, vem de um aparelho de televisão ligado no
quarto – eis uma bela atualização do mito milenar. E diante de Jack (cujo
intérprete excepcional lembra em feições e talento o garoto do filme “Paris,
Texas“) você tem todo o direito de lembrar de outra terna criatura do mundo do
cinema, aquele criado singular que Peter Seller construiu em “Muito Além do
Jardim”. Mas é só um impulso, porque se a situação é semelhante; o tom de
fábula do filme dos anos 80 (ou final dos 70?) aqui é substituído por uma
dissecção de natureza mais realista. Em comum os dois têm o fundo psicológico
necessário ao estudo de casos assim. Ao final, assim como mãe e filho
redescobrem o valor de cada elemento do mundo – sobretudo aqueles agraciados
com o dom da vida – o espectador sai da sala igualmente escura do cinema com as
pupilas atentas ao colorido do mundo em volta. Soa piegas? Obrigado pelo
elogio.
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