quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Nossos leitores




O título acima não se refere aos leitores do blogue (antes que perguntem, gosto dessa grafia, que é a forma como o ex-blogueiro cearense-potiguar Francisco Sobreira empregava no seu desativado diário; soa mais português, a palavra impressa parece sair mais cantada). Os leitores em questão aqui são dois, bem específicos, cujas circunstâncias os coloca num patamar ainda mais especial quando se trata do exercício de submergir numa massa de textos e dela extrair imagens, mistérios, verdades, novidades e fascinantes interrogações. Nossos leitores são Bernardo e Cecília, nossos filhos que todo dia surpreendem a gente na simpatia que vão tomando pelos poderes da palavra escrita - sem precisar abrir mão das mais convencionais formas de diversão da idade deles. 

Aviso que este é um post absolutamente família, tipicamente "hamaca de poti" - porque, se o leitor não percebeu, aqui está precisamente a diferença, sutil diferença que não precisa gritar seu nome por aí, entre a Hamaca e o Sopão. Continuemos: os livros, nesta idade, e apropriados a esta idade, com massa de textos mais esparsa, ilustrações que servem de pontuação gráfica e demais recursos, vêm mesmo é do contato com os amigos. A primeira literatura é a literatura "da turma" (as demais não seriam? sim, até certo ponto mas só até ele). Foi assim que os livros da série "Os Seis" pegaram a mim e a meus amigos nos tempos do antigo curso primário, ali pela quarta-série, numa cidade que, sem livrarias, valia-se do reembolso postal para conseguir fazer chegar os livros.

Voltando ao presente, vamos a Cecília, que demorou para aprender a ler - pais, relaxem, é normal - e um dia nos pediu o livro inicial da série da "Garota nada popular": são cinco tomos, graficamente escrito numa tipologia que imita a caligrafia infantil, pontuada por charges, e, sinal dos tempos - pelo menos foi assim que percebi pelas poucas vezes em que peguei os livros - centrada não na criança-modelo, mas exatamente no seu oposto: aquela que não acerta, que faz tudo errado, que se atrapalha. Considerei saudável, embora sabendo que há um modismo inerente a essas séries às quais a meninada não resiste (o mesmo se pode dizer dos brinquedos; ora é a indefectível Barbie - pais, relaxem, é assim mesmo, depois passa - ora é, como agora (até quando, hein?) as bonecas Monster High. 

Pois bem, leitores, Cecília leu todos os cinco livros da série. Assim, sem que a gente tivesse sequer tempo de nos dar conta da rapidez. Empacou agora no sexto volume - que saiu há pouco tempo - porque viciou-se (relaxe, pai, agora sou eu que digo pra mim mesmo) no YouTube. Fui fazer a besteira de mostrar pra ela - justo por causa da Monster High - o video do Thriller de Michael Jackson... Pra quê? Ela aprendeu a pilotar o canal de videos, fez um curso completo nas músicas do astro americano e agora, depois que uma colega "do quarto ano" tocou ao piano e cantou "Let it be" sozinha numa apresentação na escola, está se iniciando no mundo dos Beatles, via YouTube... Vai ser difícil ela terminar de ler o último volume da Garota nada popular. 



Enquanto isso, Bernardo - que aprendeu a ler na velocidade e naturalidade de um espirro - pediu pra gente o equivalente masculino da série da Garota nada popular: sim, senhor, o igualmente indefectível "Diário de um banana". Pelo título dá pra ver que o espírito é o mesmo: rir da própria figura e das trapalhadas que fazem parte da infância. A molecada se identifica. Acontece que Enrico, o melhor amigo de Bernardo na escola, andava lendo o volume inicial do Banana (depois deste inicial, o leitor escolhe um dos outros vários títulos para continuar acompanhando o personagem e suas históricas). 

Compramos o primeiro livro e ficamos ali, achando que com a eletricidade que lhe é própia, Bê não ia passar da página 15. Pois ele saiu da livraria já lendo o livro enquanto caminhava - o que por sinal virou um hábito, mas Sandra, irmã de Rejane, garante que a mãe de Bernardo lia andando de bicicleta! Quando vimos, Bernardo, no mesmo dia em que o livro foi adquirido, já passara da página 80. O livro foi comprado num sábado e na terça seguinte o nosso leitor já havia dado cabo. Precisou esperar até o sábado seguinte para ganhar mais um volume - que, mantendo o ritmo, leu durante a semana. Pessoal, é o seguinte: Bernardo está lendo um "Diário de um banana" por semana!

Não é pra menos: fui ler um trecho pra saber o que estava oferecendo ao meu filho e tive um ligeira crise de riso: a parte que li fala de uma armação do Banana - que é como Bê chama o personagem - para arrancar dinheiro dos amigos: ele monta  no porão da casa de um colega o que seria uma espécie de casa assombrada. Paga-se o valor do ingresso - que ele aumenta por dez quando vê a inesperada fila se formar - e ganha-se o acesso ao "salão do sangue", quarto de não sei mais o quê e assim por diante. Claro que é tudo improviso e que depois do primeiro pagante o pai do colega, dono da casa, desmancha aquela bagunça toda. 

Mas como é divertido, sobretudo se você tiver no seu currículo infantil a aventura de ter inventado um cinema usando uma caixa de papelão grande com um furo no meio, histórias em quadrinhos coladas como se fossem um filme e uma vela para fazer o efeito da projeção. E se tiver, claro, cobrado um ingresso de dez centavos de cruzeiro para quem quisesse entrar no cinema que você montou com seu seu primo tão esperto quanto você. E cuja sessão durou só um dia porque algum adulto não gostou muito desse espírito empreendedor e tratou de fechar o estabelecimento.  

Enfim, é nesse cruzamento de brincadeiras pouco rentáveis mas certamente muito criativas com narrativas de outros empreendedores iguais a você que essas séries vão formando novas levas de felizes - e introspectivos, e curiosos, e contemplativos - leitores. O que surpreende a gente é quando tais criaturas aparecem no sofá da sala da casa da gente. Do tipo que quando a gente chama - vai almoçar, menino! - ele demora pra escapar das garras de tão envolvente leitura. E que isso esteja acontecendo em tão - como é que se diz? - "tenra idade". Nossos leitores estão por aí, em casa, no carro, às vezes lendo enquanto caminham na calçada, e a gente fica feliz de passar esse bastão pra eles, sem que tenhamos feito qualquer grande esforço para isso acontecer. O máximo que fizemos foi o mesmo que eles: não conseguir nos livrar dessa mania besta de estar sempre lendo - e não ter o pudor de exercer tal vício na frente deles. 

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