A goiana Cora exercitou sua poesia enquanto preparava doces e compotas à beira dos tachões em sua bela cidade de Goiás. O pantaneiro Manoel só foi nos entregar sua poesia após décadas de uso de um disfarce insuspeito: era administrador da fazenda que herdou do pai. Pois Débora Brennand é como se fosse uma fusão desses dois seres que a antecederam em termos de revelação no grand monde dos literatos em geral: mocinha, depois de estudar por cinco anos num internato no Recife, passou um ano e meio na Europa para retornar ao engenho-fazenda do pai, que se tornaria o objeto direto de sua existência pelas próximas décadas.
É isso, leitor: Débora Brennand é uma personalidade forte, elegante e sensível - é possível juntar estas três características no mesmo ser humano, agora está mais uma vez provado - que se deixava traduzir em poesia enquanto administrava a fazenda paterna. Descobri a poeta e sua trajetória assistindo a um documentário (acima) no canal Curta! (113 no meu pacote da NET; veja aí no seu que há muitas outras surpresas lhe esperando). Tomava conta das plantações, regava seus jardins e, pelo que entendi do documentário, transformou o que era um engenho num próspero e modelar negócio de criação de gado e cavalos de raça. Entende como ninguém de nelore, títulos, leilões e jumentas - e fez disso tudo, incluindo as jumentas, matéria de sua abrasiva e ao mesmo tempo mansa poesia.
Enquanto vencia, na qualidade de única e surpreendente mulher na disputa, concursos de gado de raça em exposições agropecuárias, Débora Brennand ia escrevendo coisas assim:
Assim, além da cerca, eu espero,
O quê? Não sei. Espero.
Embora só o vento chegue
todo arranhado, em gemidos,
caindo e já sem sentidos
Jogue aos meus pés as folhas secas
("Sempre")
Sua poesia, pelo pouco que conheci no documentário e do que encontro na internet (leitor, quando for a Pernambuco, faça uma boa ação, traga um livro dela pra mim), tem essa forte marca que decorre da experiência direta sobre as coisas da natureza e do homem. É quase mítica nas evoluções que realiza em torno da terra, do sol, das folhas. Remete a um mundo de sentimentos ruralizados, a um torrão primordial que ela usa como barro das palavras.
É aqui que Débora Brennand me lembra Zila Mamede, a nossa Zila que circulou em versos entre Currais Novos e a praia do Forte, entre bibliotecas e anotações. Somente os universos ricos em sensações e transcendências parecem capazes de gerar poetas de tal intensidade: Goiás parindo Cora, os bichos e ciscos do Pantanal erigindo Manoel, o sertão e o mar da terra potiguar preparando Zila e, agora, nesta feliz descoberta, uma fazenda pernambucana plantando Déboras.