Em quarenta minutos, lá se foram sete graus de miopia que meus olhos cultivaram progressivamente com ardor durante 47 anos. Em menos de uma hora, todos os pares de óculos que usei desde os 11 anos de idade se fizeram inúteis. Agora, eu acordo de manhã, abro os olhos e está tudo limpo: é o império da clareza, o reinado da definição, o domínio absoluto dos contornos. Contornos, isso é o que dá mais prazer. Nunca imaginei o quanto poderia ser bom ficar olhando a linha reta dos braços daquela cadeira, o vinco retilíneo e macio na metade do sofá, a arquitetura branquinha e suave das quinas da estante. Só um míope operado pode saber o gosto que tem ver os contornos das coisas e do mundo.
Sem falar que, correndo o risco supremo de me submeter à cirurgia, acabei – além dos graus de miopia – com uma curiosidade crônica que imagino deva acometer até a quem vê além das paredes. Como é operar os olhos? A gente vê tudo? E ver dói? Parece bobagem? Pois pra mim sempre foram questões quase metafísicas. Por isso, abro os segredos dessa magia aqui pra vocês (e magia é a palavra exata para definir o indefinível efeito dessa cirurgia que os médicos chamam de “refrativa”): ao ser operado para correção de miopia você se sente como se fosse uma mistura do Alex do filme “Laranja Mecânica” na cena em que ele vira cobaia de um tratamento antiviolência por si só ultraviolento – e dos rebeldes sem causa Jack Nicholson, Peter Fonda e Dennis Hopper na sequência mais lisérgica do filme “Sem Destino”. Pegue os dois filmes na locadora, assista sobretudo às sequências citadas e você terá uma idéia – não muito clara, claro, que neste terreno da claridade a gente só entra depois que sai da sala de cirurgia. Lá dentro, é esta confusão de luzes vermelhas (ligeiramente incômodas) e verdes (aaaah, que delícia) com os olhos abertos por uma maquininha laranjicamente mecânica. E mais não digo. Veja você mesmo.
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