quinta-feira, 18 de março de 2010

Go back


Desta vez ele radicalizou: o diretor que fez da fantasia das crianças um fetiche cinematográfico pra adulto nenhum botar defeito, inspirou-se na primeira infância do planeta. Com "Parque dos Dinossauros", em cartaz em dois cinemas de Natal, Steven Spielberg devolve às telas a tessitura perfeccionista de suas tramas e imagens. Lá estão suas crianças mimosas, seus arqueólogos intrépidos, sua ciência popularizada, seus efeitos maravilhosos - a relação parece interminável e o muito que já se disse sobre o verdadeiro dinossauro do cinemão americano está exposto no safari do Jurassic Park. O que salta aos olhos é que desta vez Spielberg economizou numa de suas matérias primas - o encantamento - para reforçar outra - a asfixia.

Não há dúvida: Spielberg é sempre encantador e nunca deixa de prender a atenção. Ver qualquer um de seus filmes é como regredir à idade em que a gente ainda estava descobrindo o mundo - desde o formato de uma boa até a primeira excursão escolar. Na sala escura, o espectador também projeta sensações que pareciam liquidadas. Quando tudo parece esgotado, visto, revisto, banalizado, lá está ele nos abrindo de novo os olhos e um certo espírito contemplativo que parecia morto e enterrado. Uma historinha bem contada e pronto, ratifica-se o verso caetaniano: "os americanos são responsáveis por grande parte da alegria existente neste mundo". Cioloque aí uns 50 por cento de responsabilidade nas mãos do diretor.

O diabo é que seus filmes são precedidos de uma expectativa tal que quase sempre fica aquele gostinho de quero mais, podia ser melhor, essas coisas. E em "Parque dos Dinossauros" o encantamento incondicional de outros filmes vai desaparecendo à medida que os fotogramas vão avançando. A cena mais spielberguiana não é nenhuma das sequencias de suspense com os dinos informatizados, mas está quase no início do filme, um tanto discreta. É o momento encantador em que a plateia, junto com os personagens (humanos), encontra o primeiro dinossauro vivo, uma espécie de dino de proveta na fase tatibitati.

Os olhos ficam arregalados e o queixo caído. É a mesma emoção experimentada pelo menino inglês em "Império do Sol", um filme "adulto" de Spielberg. O garoto quebrando a redoma britânica em que vivia e descobrindo as impurezas do mundo sob os bombardeios de uma guerra. Aquela atração por aviões de guerra, não importando nem mesmo se fossem do inimigo. Agora os aviões são dinossauros - e neles há mais terror do que sedução. "Parque dos Dinossauros" está mais para a asfixia de "Tubarão" do que para os deslumbramentos de "Império do Sol". Mas continua sendo Spielberg.

*O post acima, evidentemente, é uma curiosidade, como se deduz logo nas primeiras linhas do parágrafo inicial. O texto foi publicado na revista RN Econômico, em 3 de julho de 1993, na sessão Art e Etc, quando eu era um diligente repórter da publicação naquele momento editada pelo meu amigo Adriano de Sousa. Bons tempos - e espero que você tenha se divertido lendo a reprise.

*A propósito, botei uns pedaços do "Parque dos Dinossauros" na barra de amostras do YouTube ao lado.

terça-feira, 9 de março de 2010

Cecília, segundo Chico Buarque


Existem pessoas que parecem nascer com um dom especial de saber escolher o presente que dão pra gente. No meu caso, e sem prejuízo para o conjunto dos outros amigos que tenho e sempre enchem minhas mãos de presentes, Marcya Reis é uma dessas pessoas.
Foi ela quem me deu uma edição em livro de uma coletânea de poesias de cordel que é de deixar o cidadão até intimidado de tão impressionante que é o negócio. Uma espécie de pacote, que você abre e dele extrai um livro grande cheio de poesia nordestina. Só falta o próprio Ariano Suassuna emergir da embalagem luxuosa. Até hoje ainda olho para este presente com uma certa reverência - e talvez seja por isso que ainda não me lancei de corpo e alma no seu conteúdo, Marcya há de entender.

Mas isso foi outro ano, que neste 2010 eu ganhei algo mais simples, mas nem por isso menos marcante. Marcya Reis me deu para eu celebrar os meus gastos 44 anos de vida aquele livro que saiu ainda recentemente, com a história - ou as histórias - em torno das principais composições de Chico Buarque. O livro é "Chico Buarque", da série "Histórias de Canções", de Wagner Homem, editora Leya Brasil. Marcya Reis sabe que eu sou meio viciado em histórias de bastidores sobre o mundão da mpb e cercanias. E eu, claro, não tive nenhuma reverência para com o livrinho, que tratei de ler tão rápido quanto pude, a tempo inclusive de recomendar para você que também tem uma queda por episódios que envolvem paixões supostas, brigas notáveis e enfrentamentos corajosos. No primeiro caso, estão as musas de sempre, a quem as melhores canções de Chico são atribuídas; no segundo os embates entre o compositor e a ala de Caetano ou então entre ele e a Rede Globo; e no terceiro o óbvio: as provocações de Chico contra a ditadura militar brasileira.

Mas, no meu caso, o gostinho do livro esteve mesmo foi em outra história. A história da canção "Cecília", nome da minha filha, para o qual essa composição certamente contribuiu. A nossa Cecília se chama assim principalmente porque Rejane, quando criança, caiu de amores por um poema de Cecília Meireles. Também influiu na escolha do nome o fato de Cecília, em si, ser esta palavra delicada, que mais do que ser pronunciada, flui dos lábios de quem a diz. A letra da música de Chico de certa maneira fala disso, mas a explicação no livro de Wagner Homem explicita melhor.
Diz o compositor lá no livro que Cecília é uma palavra que se fala com uma tal delicadeza que faz dela quase um sussuro. Como se fosse um abuso dizer tal palavra com qualquer intensidade que não seja a de um leve sopro no ar.

E Cecília, a nossa, a lá de casa, uma vez nascida e uma vez crescida, é bem isso mesmo. Tem uma delicadeza de se magoar com tão pouco, uma superfície fina sobre a alma que reage qualquer toque distraído e atabalhoado. Daí decorre seu medo crônico de monstros desenhados, sua cautela quase adulta diante de coisas desconhecidas, seu olhar distante embora atento para eventos que ainda lhe desafiam o entendimento. Claro que também tem uma história sobre uma certa Cecília que Chico Buarque namorou nos anos 60, uma moça do interior de São Paulo ou de Minas que, uma vez descoberta, gerou uma torrente de e-mails para o site do compositor etc e tal. Mas isso é detalhe da vida mundana do filho de Sérgio Buarque. Muito mais interessante é a análise sensível da sonoridade da palavra Cecília, o que ela sugere, o que ela instala no ar.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Ainda Alf


Bem que eu fiquei desconfiado com aquela história de Johnny Alf ser descrito pelos jornalistas - um após o outro, um copiando o outro, é evidente - de "precursor da bossa nova". Na primeira leitura, achei esse "precusor" uma palavrinha danada de excludente, como se soprasse, por trás do ombro do leitor, "não foi bem um Tom Jobim ou João Gilberto". Como se reduzisse mesmo a participação de João Alfredo no movimento que renovou a música brasileira. Pois agora veja o que diz o jornalista Luiz Antônio Giron, da revista Época, no blogue da publicação. É meio longo para os padrões da internet, mas vale a pena ler:

Por que Johnny Alf é o fundador da bossa nova


No ano de 1953, o pianista e cantor da noite Johnny Alf surpreendia os frequentadores das boates Plaza, Clube da Chave e Mandarim de Copacabana, Rio de Janeiro, com o samba “Rapaz de bem”. A música, que ele próprio gravou ao piano em 1956 para o selo Copacabana, lembrava o jazz, mas continha elementos brasileiros, como as síncopes e a reinvenção do tema do malandro. Com essa música, Johnny Alf fundou um estilo que viria a ser conhecido cinco anos depois como bossa nova, a mistura do samba e do jazz. Johny Alf, que morreu de câncer na quinta-feira (4) em São Paulo, com 81 anos incompletos, não foi o precursor da bossa nova, como insistem por aí. Ele foi a base da bossa, a raiz, a pedra fundamental, o que queiram.

A realidade é esta: por uma questão de panelinha, o boêmio negro e pobre Johnny Alf foi excluído da chamada turminha de João Gilberto, Carlos Lyra e Tom Jobim, formada de rapazes e moças realmente de bem, vindos da classe alta carioca. Eles é que tomavam uísque na boate e pagavam para ouvir Alf tocar e cantar. “Rapaz de bem” é a descrição visionária de uma nova geração de malandros chiques, que formaria o gosto pelo jazz no Brasil. Samba e jazz: não há melhor definição para a bossa nova. Era assim que a “turminha” definia suas canções no início do movimento. A música de Alf, influenciada pela harmonia de Debussy e Chopin, inspirou uma geração de músicos. E diferentemente dos que tomaram para si a invenção do samba moderno, Alf jamais escondeu suas fontes. Basta ouvir “Seu Chopin”, que ele lançou em 1964, no LP que levava o nome de seu maior sucesso: Eu e a brisa.

Apesar de tantas canções fundamentais e de ter servido como paradigma da bossa nova, Alf foi esquecido por longos anos, e colocado no escaninho de precursor da genialidade alheia. Lembro-me no início dos anos 90, quando Alf estava banido das casas de espetáculo. Dois amigos meus melômanos me aproximaram dele – e foi uma experiência incrível. A experiência de confabular com um mestre da canção. Ele nos recebeu no seu sobradinho no bairro da Mooca, e lá nos mostrou seus discos favoritos, e tocou suas canções em um modesto piano. Leitor de clássicos, apaixonado pelos grandes compositores, Alf não se limitava a papos de músico. Morreu novamente esquecido, até porque seu temperamento reservado impedia a aproximação. Mesmo assim, ele concedeu uma entrevista para o programa A Voz Popular, da rádio Cultura. Talvez tenha sido sua derradeira grande entrevista. Até porque Alf era monossilábico e não gostava de falar. Talvez a extrema timidez tenha impedido de que fosse mais venerado. Mas não há dúvida de que foi um gênio fundador.

Sua história é suficientemente clara para demonstrar o que estou dizzendo. Ele foi membro fundador do Sinatra-Farney Club, que, no fim dos anos 40, cultuava a canção americana. Mas também era fã de Noel Rosa, como ele criado em Vila Isabel. Quando José Alfredo da Silva nasceu, em 1929, Noel estava começando a carreira. Neste ano comemoramos o centenário de Noel. Vamos lembrar de 2010 como o ano da morte do grande inovador da música popular universal, Alf. Sua obra, suas gravações merecem estar ao lado da de seus contemporâneos, no mesmo nível das de João Gilberto e Tom Jobim. É o legado de um grande mestre da harmonia e do ritmo. Um gênio que nunca mais vai deixar que esqueçamos dele.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Alf


Era um daqueles momentos mortos de uma quinta-feira de Congresso parado. Passava das oito da noite, o script do jornal estava pronto, reportagens editadas e aquele claro que fica entre o ponto final da edição e a hora certa de botar o programa no ar.

Era hoje, eram pouco mais de oito da noite e a tevê deu a notícia, naquela barrinha onde letras passam enquanto o apresentador fala de guerras ou escândalos. Morreu Johnny Alf, precursor da bossa nova. Precursor? Tá bem, vá-lá. Mas precussor e participante, não?

Deixa a classificação jornalística apressada pra lá. Valem mais os mistérios das coisas inesperadas, as boas - como a música de Alf - e as ruins - como essa notícia da morte dele.

Vale o mistério de, no exato momento em que a tevê deu a notícia, eu estar ouvindo um desses CDs caseiros, essas coletâneas que eu e muita gente costuma fazer, juntando vários artistas afins num mesmo disco para ouvir enquanto trabalha ou faz nada.

Estava ouvindo um desses, com Edu Lobo, Fátima Guedes, Marina, Ivan Lins, várias vozes, diversas formas de fazer música. Pois quando a tevê acabou de passar a faixa com a notícia da morte de Alf, ouço os primeiros acordes de algo que faz meu coração disparar.

Aquele piano, forte. Era ele mesmo, Johnny Alf, cantando algo cujo nome nem lembro. Não era nenhum de seus clássicos - "Olhos Negros", "Eu e a brisa" - não, era uma das faixas daquele seu primeiro disco, que comprei relançado em CD.

Mistério noturno de uma quinta-feira de Congresso vazio, telejornal cansado.

Início de noite com a voz de Alf subindo aos céus das grandes estrelas, no meu fone de ouvido triste e saudoso.

*Por isso mesmo, tem Alf na barra de vídeo, cá embaixo.

Bernardo brincando de Deus

Nem só de "suco de fumaça" vive meu filho Bernardo, na sabedoria astuta dos seus 3 anos de idade, a se completarem agora em maio.

Hoje ele saiu-se com mais duas daquelas conversas que antigamente a gente classificava genericamente como "criança diz cada uma".

Primeiro, estava chovendo forte e Bernardo não gostou nada de ver o cavalinho de madeira que ele ganhou da tia Sandra tomar uns chuviscos na varanda. Não teve dúvidas em avaliar o tamanho dos seus poderes e gritou lá pra fora, a plenos pulmões:

-Pára, chuva!

Logo depois disso, pra distrair tanto ele quanto Cecília, sugeri que a gente voltasse a montar o que chamo de "cinema da garagem": colocar o mini-DVD numa mesinha e as cadeirinhas deles na frente pra assistirem a algum filme, aproveitando que o carro estava fora.

Proposta aprovada, mas Bernardo arrumou outra de suas típicas confusões. Eram umas onze da manhã mas ele insistia em "desligar" a luz da garagem, que é bem iluminada por causa da porta envidraçada.

Vocês entenderam, não é? Sim, Bernardo queria apagar a luz do dia, porque, dizia ele, cinema é no escuro.

Tirou o dia para brincar de Deus, nosso bravo e trabalhoso Bernardo.

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