Gosta
de forró? Mesmo? Aprecia uma leitura? De verdade? Então, meu caro, junte as
duas coisas e caia no salão ao longo das 460 páginas de “O Fole Roncou: Uma
história do forró”, dissertação musical e antropológica feita com maestria de
forrozeiro pela dupla de jornalistas Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues, ambos
egressos não apenas do Nordeste brasileiro, como também do caderno cultural do Correio Braziliense. Pois o livro é como
se esses dois sujeitos juntassem numa bacia de lata de feira um sem número de
músicos, cantores, produtores e incentivadores da música popular nordestina e
saísse desfiando a história de cada um, como quem desfolha uma espiga do mais
puro milho, para preparar o mais autêntico e saboroso bolo junino.
Nisso,
o leitor provará o gostinho de acompanhar a trajetória vitoriosa da grande – e subestimada,
mas o livro está coalhado de gente nesta mesma condição – Marinês, aquela que
para tanto ouvinte de rádio AM dos velhos tempos era apenas a cantora que dizia
ser pequenininha mas gostar de tudo grande. Não era só isso, claro: era tanto
mais que só lendo “O Fole Roncou” para dimensionar a grandeza e os mil caminhos
que a intérprete tomou a partir de um programa de calouros da era do rádio em
Campina Grande até chegar à indústria do
disco e ao estrelado do forró no Rio de Janeiro. Temos também Abdias, parceiro
de vida e de música de Marinês, o homem que primeiro manejou um fole consagrado
para depois se tornar um dos principais produtores de discos de toda uma leva
de artistas. Na bacia de Marcelo e Rosualdo dança ainda a massa bruta de um
Genival Lacerda, que a dupla de jornalistas tem a ousadia corajosa de
reclassificar como um dos mais completos artistas jamais produzidos pela música
brasileira. Sim, senhor! Rosualdo e Marcelo equiparam mais de uma vez a
performance musical (e não apenas teatral, embora este lado também seja
destacado, no que seu Vavá surge nas páginas do livro como um show man integral)
do homem de Campina Grande com o conterrâneo Jackson do Pandeiro. Não é preciso
dizer que, no contexto das consagrações e revisões culturais que de vez em
quando acometem os formadores de opinião do país, Jackson há muito foi tirado
do limbo do brega sujo e recolocado no altar das neotropicalistas coisas do
povo que fica bem enaltecer. Isso não aconteceu com Genival – e pode até nunca
ocorrer, mas não por falta de um empurrão corajoso, e muito bem elaborado, no
livro de Marcelo e Rosualdo.
Jackson
do Pandeiro leva a Luiz Gonzaga, e naturalmente o rei do baião não poderia
estar de fora – é o evidente fio condutor da história do surgimento,
consagração, crise, falência e redescoberta do forró pelo Brasil. Gonzaga está lá – e será um complemento
delicioso ler suas histórias para quem há pouco tempo conviveu com ele no
cinema por meio do filme de Breno Silveira. Está no livro a forma como ele
contribuiu para solidificar o gênero forró nesta rua movimentada que a música
construiu entre Campina Grande, Recife e Rio de Janeiro, como estão as cismas
do rei e o caráter também competitivo que marcou sua convivência com
companheiros de geração absorvido pela indústria do entretenimento. Gonzaga era
colaboração garantida: dava hospedagem, comida, contatos e muitas vezes
trabalho como músico para os recém-chegados, mas como bom ser humano era também
um cabreiro observador dos movimentos que ocorriam à sua volta e graças ao seu
pioneirismo.
Jackson
mesmo que o diga – e mais não adianto; vá ao livro. Onde há muito mais,
inclusive as feições mais contemporâneas do fenômeno do forró urbanizado.
Marcelo e Rosualdo vieram até aqui bem pertinho, perfilando nota a nota o caso
do forró eletrônico de extração cearense, no que explicam direitinho como se
deu a explosão e a falência do grupo empresarial montado por trás de bandas
como Matruz com Leite e derivados. O interessante
caso Som Zoom está todo narrado no livro.
E só mesmo uma dupla de jornalistas nordestinos (surpreende um pouco que
Carlos Marcelo, paraibano acandangado em Brasília, uma figura aparentemente
muito mais próxima do rock do que da sanfona, tenha nos presenteado com um
livro assim) para injetar, nos últimos capítulos, um componente chamado emoção.
É no final do livro, quando os autores se ocupam dos últimos anos de quem passou
a vida martelando uma sanfona, que uma lágrima pode se intrometer no olho que lê.
“O Fole Roncou” nem precisava – e nem é muito habitual mesmo em biografias,
quanto mais numa dissertação musical – mas termina em parágrafos comoventes,
como na despedida de Marinês ou na descrição da morte repentina do potiguar
Elino Julião. Os meninos que não se furtaram a reconhecer em Genival Lacerda
uma construção artística que nem todo mundo tem o desprendimento de encarar
também não se preocuparam em conter a emoção quando chegou o momento de
substituir o forró pela toada, no ponto final entre nós de artistas a quem nos
acostumamos tantas vezes a ouvir casualmente sem realmente valorizar.
No
meu caso, passei o livro inteiro lembrando a figura do meu pai, sentado numa
cadeira de balanço de fios de plástico na esquina da nossa velha casa, no
interior potiguar, ouvindo todo fim de tarde os inevitáveis programas de forró
que o rádio AM daquele tempo apresentava. Se estivesse vivo, eu leria para ele este
“O Fole Roncou” da primeira à última página, naquela mesma esquina e naqueles
mesmos fins de tarde se também isso fosse possível. Mas ler sozinho,
cantarolando em silêncio as músicas citadas, já é, além de uma riqueza cultural
sem tamanho, uma bela forma de diminuir a saudade que tenho dele. Obrigado,
Carlos Marcelo; valeu muito, Rosualdo.
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