sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Dia sete



 
         Cheguei da caminhada habitual, lavei o suor do corpo com um banho e botei uma bermuda verde-oliva. E isso é tudo o que posso fazer em homenagem à presente data, ao contrário das minimultidões que estão no presente momento em que componho essas mal digitadas torrando ao sol sertanejo de Brasília para ver a parada comemorativa da independência passar. Se fosse presidente da República ou comandante do Exército, condecorava cada uma, um por um desses bravos brasileiros, entregando as mais merecidas medalhas ao longo de todos os alambrados que separam os soldadinhos do povão. Para suportar o calor e a claridade que nesta época parecem fazer de Brasília Citi uma espécie de Big Brother Climático, uma grande torradeira envidraçada, merecem medalhas e salvas de tiros de canhão.

     
      Se você colocar nesta lista de obstáculos naturais à comemoração do sete de setembro, além do calor africano e da claridade ofuscante um terceiro – e bem mais rigoroso – elemento climático, a minimultidão passa a merecer não apenas salvas e medalhas, mas alguma coisa como um milionésimo de real do Produto Interno Bruto do ano  de 2011: este último agravante é quase um símbolo da capital do país, tão significativo sobre ela quanto são a rampa do Planalto e os pratos do Congresso – a seca, ela mesma.

    
      Vivemos dias de com umidade do ar entre 16 e 20%; com 191 queimadas devastando o cerrado em volta da cidade só nos primeiros quatro dias de setembro; e com pelo menos mais um mês de estiagem pela frente. Essa semana os incêndios, que costumam ser mais democráticos do que a tradição brasileira, lamberam as beiradas de uma mansão numa área meio rural e meio urbana como é tão típico por aqui, da mesma maneira como esturricaram para todo o sempre um conjunto de barracos de madeirite onde se abrigavam e guardavam os pertences uma comunidade de catadores de lixo, nos fundos do terreno onde fica o Centro Cultural Banco do Brasil. Aí estão mais três símbolos de Brasília: mansões meio urbanas e meio rurais, catadores de lixo e queimadas.

      Agora me responda: dá pra sair às ruas animadamente pra comemorar o sete de setembro, lembrando que arquibancada coberta na Esplanada é requisito de autoridade constituída e munida de senha e crachá? Não, melhor ficar em casa curtindo o outro lado, mais comezinho, da seca brasiliense. Como o quê? Como imaginar que na segunda-feira você poderá encostar o ombro naquele mala sem alça que por acaso é seu colega de trabalho, dando o que parece ser um esbarrão camarada mas que na verdade é um jeito de corpo de alta letalidade. Com as roupas ressecadas como ficam nesta época, o vinco da manga da sua camisa estará tão rígido, mas tão rígido, que é capaz de cortar qualquer ombro amigo no que parece um encontrão acidental ou camarada. É chegar junto e depois se desculpar pelo talho aberto pela manga-punhal. E que ninguém estranhe tanto essa imaginação pra lá de violenta, que ela muito certamente também é, assim como aquela dor de cabeça esquisita e constante e o nariz implorando por uma minibritadeira de quebrar asfalto, um sintoma da nossa querida seca. Agora me providencie um copo d’água, por obséquio.
 
* A foto que ilustra o post é quase uma provocação: o Lago Paranoá, das poucas reservas de umidade de que nos valemos neste período do ano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

O último cajueiro de Alex Nascimento

Começar o ano lendo um Alex Nascimento, justamente chamado "Um beijo e tchau". Isso é bom; isso é ruim? Isso é o que é - e tcha...