Se você colocar nesta lista de obstáculos naturais à comemoração do sete de setembro, além do calor africano e da claridade ofuscante um terceiro – e bem mais rigoroso – elemento climático, a minimultidão passa a merecer não apenas salvas e medalhas, mas alguma coisa como um milionésimo de real do Produto Interno Bruto do ano de 2011: este último agravante é quase um símbolo da capital do país, tão significativo sobre ela quanto são a rampa do Planalto e os pratos do Congresso – a seca, ela mesma.
Vivemos dias
de com umidade do ar entre 16 e 20%; com 191 queimadas devastando o cerrado em
volta da cidade só nos primeiros quatro dias de setembro; e com pelo menos mais
um mês de estiagem pela frente. Essa semana os incêndios, que costumam ser mais
democráticos do que a tradição brasileira, lamberam as beiradas de uma mansão
numa área meio rural e meio urbana como é tão típico por aqui, da mesma maneira
como esturricaram para todo o sempre um conjunto de barracos de madeirite onde
se abrigavam e guardavam os pertences uma comunidade de catadores de lixo, nos
fundos do terreno onde fica o Centro Cultural Banco do Brasil. Aí estão mais
três símbolos de Brasília: mansões meio urbanas e meio rurais, catadores de
lixo e queimadas.
Agora me
responda: dá pra sair às ruas animadamente pra comemorar o sete de setembro,
lembrando que arquibancada coberta na Esplanada é requisito de autoridade
constituída e munida de senha e crachá? Não, melhor ficar em casa curtindo o
outro lado, mais comezinho, da seca brasiliense. Como o quê? Como imaginar que
na segunda-feira você poderá encostar o ombro naquele mala sem alça que por acaso é
seu colega de trabalho, dando o que parece ser um esbarrão camarada mas que na
verdade é um jeito de corpo de alta letalidade. Com as roupas ressecadas como
ficam nesta época, o vinco da manga da sua camisa estará tão rígido, mas tão
rígido, que é capaz de cortar qualquer ombro amigo no que parece um encontrão
acidental ou camarada. É chegar junto e depois se desculpar pelo talho aberto
pela manga-punhal. E que ninguém estranhe tanto essa imaginação pra lá de violenta,
que ela muito certamente também é, assim como aquela dor de cabeça esquisita e
constante e o nariz implorando por uma minibritadeira de quebrar asfalto, um
sintoma da nossa querida seca. Agora me providencie um copo d’água, por
obséquio.
* A foto que ilustra o post é quase uma provocação: o Lago Paranoá, das poucas reservas de umidade de que nos valemos neste período do ano.
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