domingo, 26 de dezembro de 2010

José e Adélia


Uma obra - seja musical, literária ou de qualquer outra manifestação artística - só acontece quando ela "vibra poeticamente". E não há outra coisa com que associar isso se não "o divino" - aquele tipo de manifestação acima do humano que caracteriza a forma mais autêntica de religiosidade. Havia acabado de escrever o post sobre o ateísmo crente de José Saramago nos comentários sobre o filme JOSÉ E PILAR quando, zapeando pela internet, encontrei essas ideias acima, ditas por uma poeta tão grande quanto o escritor lusitano - nossa mineira Adélia Prado. Achei que seria um contraponto - ou um complemento, dependendo da perspectiva de quem veja o assunto - para o falso ateísmo sincero de Saramago e por isso queria registrar aqui na Hamaca, que é meio como que a contracapa do Sopão.

Vendo Adélia Prado falar sobre essa vibração poética que confere à arte o seu verdadeiro estatuto de valor como manifestação humana, lembrei também de Guimarães Rosa, que dizia exatamente a mesma coisa com outras palavras. Ao discorrer sobre um de seus livros de contos, falava de uma das histórias que não evoluíra e acabou excluída porque "não transcedia". E a gente sabe, pulando aqui no trampolim das Gerais para a Península Ibérica, o quanto transcende cada parágrafo de palavras muito bem empregadas de um livro de José Saramago. E no entanto, Saramago, um dos grandes e singulares artífices dessa vibração poética de que fala Adélia e da transcedência a que se referia Rosa, passou a vida - e sobretudo a velhice, que foi o período da vida em que teve maior projeção, quando menos por ter ganhado o Nobel de Literatura - negando aquele mesmíssimo "divino" de que falava Prado e a que poderia estar se referindo também Guimarães. É estranho que seja assim, tanto quanto é incomum que nada disso diminua a estatura do escritor português - antes, talvez até o engrandeça pelo simples fato de ele abraçar essa contradição, fazendo da teimosia uma estranha forma de contrição.

Disse que assisti a Adélia Prado falando sobre as conexões entre a vibração poética e a dimensão do divino no ser humano. Pois bem: é a parte final desta nota - lembrar de um novo site (novo, pra mim), mantido pela editora (ou livraria) Saraiva, com entrevistas e vídeos como este a que me refiro agora. Anotei nos meus links (do Sopão e da Hamaca) e sugiro que copie para os seus, que pelo jeito sempre se poderá encontrar lá uma pitada de comentário ligeiro a iluminar a vida pelo clarão dos poetas, crentes ou ateus, como Adélia ou o fantasma de Saramago que há de estar por aí a vagar feliz com a confirmação ao contrário de suas convicções mais decantadas enquanto entre nós esteve.

* Para cortar caminho e assistir ao vídeo, clique aqui.

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