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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016
Pequenas Históricas, Grandes Figuras
A Macaíba-Macondo de Osair Vasconcelos é um livro de contos. Mas como dói
Nada como um livro atrás do outro. Depois do veneninho doce de Alex Nascimento em "Um Beijo e Tchau", o caldo de cana com pão ázimo dos contos de Osair Vasconcelos em "As Pequenas Histórias". Se o primeiro só ama a humanidade se for em particular - um de cada vez - o segundo meio que viabiliza essa mirada sentimental ao apostar em personagens calcados entre o real e surreal. Um pra cada conto - dois no máximo, com alguma figuração.
Nos dois casos é preciso estar atento, que a Macaíba-Macondo de Osair talvez seja menos fantástica do que doída. As figuras municipais que o jornalista modela ao longo dos contos não ficam trancafiadas no quartel da literatura fantástica como a princípio pode parecer; são, ao modo manso de Osair, machucadas demais para compor um painel histórico-metafórico como os do escriba colombiano.
Certo é que a ex-prostituta se esvaindo em sangue e poesia enquanto é esfaqueada pelo marido tosco e ciumento é um quadro a meio caminho entre a cólera dos amores de García e o Domingo no Parque de Gilberto Gil. Nem tão simbólico nem tão pop. Como Mestre Lau lamentando a perda do pouco que chegou a ter, as criaturas de Osair são humanas demais para emular os líricos delírios do Nobel e os sambas sintéticos do compositor. Talvez Jorge Amado, desde que se tratasse de Gabrielas arrancadas à força daquelas pinturas primitivas que parecem habitar. São outras criações, puro produto de Osair, extrato trabalhado nas mãos de observador atento e sensível.
Felliniana, por óbvio, também é essa viagem a tipos possíveis de uma Makeibo Citi encharcada de mangues e umidades outras (não resisto e sapeco o apelido que dei ao município onde acidentalmente morei, no colégio agrícola do distrito de Jundiaí; e fim de parênteses). Aí está Zé Jipe lendo artigos e notícias de jornal para os frequentadores do Largo do Mercado, no conto que abre o livro. O autor esclarece que tudo é ficção e o leitor retruca; tudo, menos os itinerários, que são muitos ao longo do livro; o bastante para orientar o GPS da memória coletiva onde, uma vez bem resgatadas, e ainda que pela ficção aparentemente pura, as individualidades mais singulares nunca se perdem. Quem viveu em cidade pequena entende perfeitamente.
E se o início traz essa festa de Jorge Amado de tipos, falas, firulas e famas, o final nos dá de presente uma variação da "Rosa Púrpura do Cairo" e do inevitável "Cinema Paradiso", com o caso do projecionista que se projetou dentro do próprio filme preferido. Brilhante o momento em que ele literalmente "rouba" a fala clássica de Mr. Bogart - isso mesmo, aquela que de tão clássica parece que nem é de fato dita no dito filme, "Casablanca". Pronunciada ou não, "Toque de novo, Sam" é uma lenda - como lendárias já nascem as criaturas dessas Pequenas Histórias. Só faltou acrescentar o indefectível "Se ela aguentou, eu também aguento", que amigos comuns juntaram ao diálogo cinemítico.
Pequenas Histórias, nada. Discretas, como quem as escreveu. Medidas, na conta certa para ajustar as contas com a balbúrdia boa da memória e a grande festa profana do esquecimento.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
O último cajueiro de Alex Nascimento
Começar o ano lendo um Alex Nascimento, justamente chamado "Um beijo e tchau". Isso é bom; isso é ruim? Isso é o que é - e tchau, com ou sem beijo. Isso é religar as conexões entre décadas perdidas (expressão fora de moda) e o adeus a um ano ruim (que de tão mal falado já tá sendo injustiçado). Natal Citi, anos 80, direto sem corte e sem respirar para o imediato pós-2015, o ano-carrasco. Por aí se vê que o cara tinha material de sobra sobre o qual trabalhar (como assim, e não escreveu ou publicou mais nada de lá pra cá? Claro que sim, mas com um título anti-epitáfio desses e tamanha confusão contida nos últimos dois-três anos, não perde quem faz por esperar pra abrir o ainda recém-lançado).
"Um beijo e tchau" não é uma despedida, mas uma atualização. Esse poeta-narrador quase epistolar é velho conhecido, de extração lírico-niilista, provedor garantido e vasto de extensa folha de aforismos, nova safra de ditos e desditos deste Karl Kraus implantado entre dunas e cajueiros. Salpicada entre páginas e versos, as frutinhas maduras da afiada filosofia do escritor estão todas lá. É colher antes que caiam (ou se joguem) do cajueiro e lhe sujem os pés de lama, meu senhor ou minha senhora: "da mesma forma que o excesso de lucidez leva à loucura, de outra forma, a mania de saúde é uma doença"; "voltando ao jardim; nossa turma foi dividida em dois grupos: os do crack e os do whatsapp"; "não há contraceptivo que evite tanto filho da puta no mundo" - e chega de exemplos, que esses sempre minimizam o poder do livro inteiro. (e perdão pelas adaptações, que o meio aqui é outro).
É a mesma persona que a gente conhece desde "Quarta-Feira de um País de Cinzas", este título atemporal. Sob o olhar blasé, mas sempre moleque de Alex, o cenário é o mesmo areal, a conversa é a mesma bosta, mas, ah, a tecnologia incansável espalhou novidades por todos os cantos. Alex incorpora todas e lhes dá aquela serventia literária, traduz-lhe as ênclises, próclises e mesóclises como o usuário do Face nem imagina ser possível. A doce distopia perene de Alex se renova frequentando a nova Natal do alto consumo e baixo deleite - e até eu, que tô noutra, fugindo do amargo como quem pressente uma crise de hérnia de disco se aproximando, caio nessa farra e mato a saudade dos verdes anos de leitor iniciante - aquele que precede o atual Leitor Bagunçado. Resumindo, "Um beijo e tchau" é uma farra pros neurônios que ainda restam, desde que lido com o coração que ainda bate.
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